quinta-feira, agosto 27, 2009

Com a benção de Bobby Gillespie e do Globo Repórter

Além do Alice Cooper, as principais peculiaridades estadunidenses dos anos 70 são as costeletas longas e grossas e as medalhas de honra forjadas em metal, concedidas aos derrotados, porém orgulhosos, soldados americanos que se aventuraram na Guerra do Vietnã. Kowalsky detém ambos, além de uma natural predileção por carros velozes. Soa familiar? Não é mera coincidência.

Kowalski (cujo primeiro nome não é revelado no filme), interpretado por Barry Newman, além de “herói” na já citada guerra, também é um ex-policial. Não um policial aposentado, mas um profissional expulso da corporação. Como se não bastassem dois “ex”, ele também foi um corredor automobilístico e motociclista. Alguns flashbacks nos revelam que, depois de todas essas carreiras terem virado pó, o sujeito se conformou em transportar carros para uma oficina localizada na cidade onde ele mora, Denver, no estado do Colorado. Sua nova missão é transportar um Dodge Challenger, ano 1970, de Denver para São Francisco. Kowalski, que, como dito, é um legítimo representante da geração “Born To Be Wild”, promete cumprir o percurso em apenas um dia. Depois de uma infração, ele passa a ser perseguido implacavelmente pela polícia, adquirindo a curiosa simpatia de um dj americano, que detinha acesso à freqüência dos oficiais.

Vanishing Point, de 1971, é, em pura essência, um road movie, repleto de momentos onde se ouve, além da trilha, apenas o ronco do Dodge branco e nada se vê além da vastidão desértica, emulando o clássico livro On The Road, de Jack Kerouac. O filme não tem, nem de longe, a fama de outra obra semelhante, lançada há apenas dois anos antes, Easy Rider (Sem Destino). Uma das explicações prováveis pode ser a presença de Dennis Hopper, que já mantinha alguma fama em 1969, ao que Vanishing Point tinha como protagonista o obscuro Barry Newman. O papel foi inicialmente oferecido ao astro Gene Hackman, mas as negociações se inviabilizaram, pois Hackman já estava ocupado com outro filme lançado no mesmo ano, The French Connection.

Charles Champlin, crítico do Los Angeles Times, chegou a comentar: “Vanishing Point pode ter um ponto, mas... mas... foi perdido”. A solitária jornada de Kowalski rendeu pouco na bilheteria americana (ao contrário da européia, onde obteve boa repercussão), mas se tornou um cult, principalmente na década de 90, quando foi refilmado (e piorado) com a atuação de Viggo Mortensen, o Aragorn de Senhor dos Anéis.

Ignorado pelos americanos na época do lançamento, o filme rende legado (e dividendos) até hoje. Quentin Tarantino, em seu Death Proof, inseriu uma perseguição a um Dodge branco. Um disco homônimo foi lançado pelo cultuado grupo escocês Primal Scream, em 1997. No álbum há uma faixa com o nome do protagonista, que rendeu um videoclipe com script de Irvine Welsh, autor de Trainspotting. O vídeo tem a a espetacular Kate Moss, na época com saudáveis vinte e três anos. Bobby Gillespie, o carismático líder da banda, chegou mesmo a comentar que o álbum se tratava de uma trilha alternativa para o filme. “Por que não compor uma álbum com o verdadeiro tom de humor do filme?”, questionou ele. O extinto Audioslave também buscou bebeu da mesma fonte ao compor o vídeo “Show Me How To Live”. Chris Cornell e companhia também não perderam a oportunidade de dar um rolê num muscle car igualzinho ao do filme.

A trilha sonora da película também merece menção. Country, rock e pop se mesclam em harmonia. Richard Sarafian, o diretor, inicialmente pretendeu incluir grande parte do álbum Motel Shot de Delaney, Bonnie & Friends. Porém, o estúdio não aceitou arcar com a grana necessária para bancar o licenciamento das faixas e uma nova seleção, contendo artistas pouco conhecidos, teve que ser escolhida. O detalhe marcante para os brasileiros, obviamente, é o fato de a faixa Freedom of Expression, do grupo The J.B. Pickers, ser a mesma utilizada na abertura do programa Globo Repórter. Pode procurar a música que você reconhecerá.

Longe de se tornar um clássico alternativo do porte de um Blade Runner, mas tão bom quanto, Vanishing Point é algo a se perpetuar.

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