terça-feira, outubro 06, 2009

A música e o crime
Ligações perigosas

Sharon Lawrence, biógrafa e amiga do falecido James Marshall Hendrix, relata na sua biografia do mais adorado dos guitarristas da história de todo o Rock ‘n’ Roll: “Em fevereiro de 1967, a polícia de Sussex fizera uma batida na casa de Keith Richards e encontrara, segundo relataram, ‘várias substâncias de natureza suspeita’. Mick Jagger foi acusado da posse de quatro pequenas pílulas redondas encontradas no bolso de uma jaqueta que na verdade eram de Mariane Faithfull, namorada dele na época. [...] Eles foram levados a julgamento no final de junho. O juiz condenou Jagger a um ano de prisão e a pagar uma multa de 500 libras. A sentença de Richards foi mais branda: três meses de prisão e multa de 100 libras. [...] – Mick me disse que chorou ao ouvir a sentença no tribunal – falou Jimi Hendrix – Ele e Keith estavam com um medo terrível.” (Lawrence, Sharon, 2005, p. 166)

A criminalidade povoa a humanidade desde o mais remoto dos tempos. Não só pelo instinto homicida demonstrado por alguns expoentes do genocídio, de seitas insanas ou de assassinatos em série. Não só por exemplos como Nero, o piromaníaco (e suposto artista) de Roma, Genghis Khan, o conquistador da China ou Adolf Hitler, o mais notório dos eliminadores da espécie humana. Músicos proeminentes em geral também flertam, em constância assustadora, com o lado mais malvisto dos valores humanos.

Tanto Jagger quanto Richards, no incidente relatado por Sharon, não cumpriram, de fato, a estadia na prisão, mas a mancha no currículo moral já era irreversível. O próprio Hendrix lidou com um processo semelhante pouco tempo depois, sendo absolvido, após estressantes e humilhantes julgamentos de conduta. O alívio do guitarrista foi ser inocentado em duas frentes, tanto os julgamentos oficiais, presididos por uma corte e um júri, quanto aquele outro julgamento mais visceral, conduzido pelo olhar crítico da sociedade e que pode acabar por ser de vigência vitalícia.

Quando os poderosos tentáculos da lei alcançam figuras proeminentes do circuito musical, não atingem apenas os roqueiros. Acabam por abraçar também envolvidos com um tipo de música, digamos, mais “acadêmico”. Thelonious Monk, um dos fundadores do jazz bebop, foi acusado em 1951 de posse de narcóticos, que foram encontrados após uma revista em seu carro. As drogas pertenciam a um amigo de Monk, outro influente pianista do bop, Bud Powell. Mas, ainda sim, Thelonious teve cassada a sua licença de se apresentar em Nova Iorque, tendo perdido na década de 50 diversas oportunidades de realizar concertos na cidade, vizinha do berço explêndido de todos as subdivisões mais influentes do Jazz, Nova Orleans. Bud já havia tido problemas suficientes com policiais, sendo espancado em um incidente no ano de 1945, época do auge do bop. Em 1947, foi internado num hospital psiquiátrico, onde teve o cérebro permanentemente danificado por eletrochoques.

Merle Haggard, lenda ainda viva da música country (e cujo disco I'm a Lonesome Fugitive deveria ser ouvido por qualquer um) se encontrou no xilindró em 1957, após uma patética tentativa de assaltar uma taverna em Bakersfield, Califórnia, para tentar saldar algumas dívidas. Ele foi enviado a San Quentin por três anos, famoso presídio que chegou a receber apresentações de outro gigante do country, Johnny Cash, o homem de preto. Cash só não cumpriu ele mesmo alguns anos em San Quentin por aquilo que algumas culturas chamam de sorte, pois se tratava de notório e compulsivo consumidor de barbitúricos. E suas versões para canções de lirismo explícito que abordavam o crime e drogas em geral (“I took a shot of cocaine and I shot my woman down”) também saíram ilesas, no fim das contas

Por falar em lirismo, a língua inglesa sempre se diluiu em alguns muitos dialetos, para desespero de alguns acadêmicos. Em Londres temos o cockney e em Liverpool temos o scouse, ambos devidamente incomprensíveis para quem ainda está no estudo do verbo to be. Já aos estadunidenses sobra o eye dialect, sendo que esse foi usado com freqüência por escribas clássicos como Mark Twain e William Faulkner. Nessa particular subdivisão da língua anglo-saxônica, o objetivo é se utilizar de uma soletração diferente para chamar a atenção para a pronúncia. Daí, “killer” se torna “killa”, e “gangster” se torna “gangsta”.

Foi a partir dessa contração pouco convencional que se originou a nomenclatura do famigerado Gangsta Rap, subclasse (mais) violenta do lirismo rap. O gênero nasceu nos 80, tendo como alguns expoentes os rappers Ice T e Schooly D. É alvo fácil de críticas de religiosos e defensores da moral, que os acusam de promover a apologia ao crime como forma de vida. Alguns dos artistas identificados pelo estilo cometeram, de fato, obstruções conta a lei. Alguns exemplos incluem o falecido Tupac Shakur e Snoop Dogg, ambos com passagens pelo xilindró. Tupac recebeu discos de ouro na cadeia, por seu álbum Me Against The World. Ele cumpria prisão por abuso sexual.

Os exemplos não ficam apenas no mainstream. Bertrand Cantat, vocalista da banda francesa de rock alternativo Noir Désir, cumpre pena, atualmente em liberdade condicional, por ter assassinato a namorada utilizando-se apenas de suas mãos nuas. Como não poderia deixar de ser, o vice-versa aconteceu. Felix Pappalardi, do Mountain, foi assassinado por sua própria esposa. As ocorrências criminais envolvendo músicos são múltiplas, envolvendo milhares de delitos diversos, e inundariam todo o banco de dados desse blog.

E alguns deles parecem nem se importar muito. Afinal, como é mesmo um dos ditos mais conhecidos de Keith Richards? “Nunca tive problemas com drogas, só com a polícia”.

Um comentário:

Paulo Augusto disse...

Diz uma ex do Jagger aí que ela não precisava falar pros filhos ficarem longe das drogas, que era só olhar pra cara do Keith que eles já estavam convencidos, haha!