quarta-feira, janeiro 20, 2010

Sobre Elvis e o dia 8

Dentre os muitos personagens criados pelo sempre pertinente cineasta americano Jim Jarmusch, o casal de Mystery Train, de 1989, é das mais brilhantes de suas criações. Se trata de um casal de japoneses aficionados pelo rockabilly, vertente do Rock ‘n’ Roll que dominou os anos 50. O rapaz fala muito pouco e quando se dá ao trabalho, credita ao cantor e compositor Carl Perkins os louros maiores do rockabilly.

No entanto, ambos estão em Memphis (um dos berços esplêndidos do Rock), em busca de algum tipo de conexão com outro nativo do sul norte-americano, bem mais proeminente. Afinal, um dos sinônimos de Memphis é Elvis Presley e o jovem casal acaba se tornando mais um acréscimo na extensa multidão, ficcional ou não, que acorda em todo dia 8 de janeiro com recordações vívidas acerca de um certo Rei.

Pode-se dizer que Elvis já nasceu munido de mais obrigações do que a maioria dos seres, pois seu irmão univitelino Jesse nasceu morto, transferindo todas as expectativas para o recém-vindo ao mundo. Um furacão que destruiu a sua cidade natal, East Tuppelo, no ano seguinte (1936), também não é algo aconselhável a acontecer frequentemente na vida de seres ainda imberbes. Para completar a cadeia de desgraça, seu pai, Vernon, foi preso no ano posterior e a família foi despejada. Os ventos de mudança vieram em 1948, quando a família se muda para Memphis, que se tornaria a sede dos primeiros palcos que o jovem Elvis Aaron iria dominar. Suas primeiras canções gravadas surgiram em 1953.

Elvis de cima do trono

Um momento de diversão inocente no estúdio, em 5 de julho de 1954, é considerado por alguns - como produtor musical Sam Phillips, o responsável por lapidar as músicas de Elvis no dia em questão – como o marco inicial do Rock. O cantor havia se empolgado com a composição “That’s All Right Mama”, composta pra ele (e que se tornaria, em breve, um de seus singles) e a cantava de modo improvisado, acelerando o andamento. O episódio é mais um dos candidatos à ponto de partida do Rock ‘n’ Roll, junto com “Rock Around the Clock”, single de Bill Halley & His Comets e as primeiras canções de Fats Domino.

A primeira entrevista viria em breve, junto com os primeiros singles, a maior parte lançada em 1955. Um deles, por um acaso, se chama “Mystery Train” e obeteve boa colocação nos charts da Billboard. O ano de 1956 acabou por transformar o jovem em sensação mundial, um dos primeiros popstars de todos os tempos. O compositor erudito húngaro Franz Lizst é considerado por muitos biógrafos como a primeira estrela pop da história da música, pelo seu visual esbelto (que lhe angariou uma pá de fãs) e o estilo virtuoso, admirado e invejado por todo mundo que o conhecia. Mesmo com todos esses atributos, ele foi batido em relevância e influência pelo rapaz, anteriormente azarado, de East Tuppelo, Mississipi.

Com as tietes, surgiram também um monte de seguidores e detratores, que brotavam em todos os grotões que o cantor pisava. As tietes queriam suas roupas e uns fios do cabelo irretocavelmente cuidado. Os negros queriam sua carne, visto que não entendiam como um branquelo metido a besta podia se meter a cantar um estilo que derivava do rhythm & blues, predominantemente negro. E os reacionários queriam sua língua fora de seu corpo, pois o cantor representava toda a sensualidade incontrolável e perigosa que levava suas filhas (e esposas) ao delírio.

Seu campo de influência multiplicou-se. Algumas de suas apresentações televisivas eram censuradas, devido ao rebolado lascivo, característica de Elvis. Às vezes, as câmeras o focavam apenas da cintura pra cima. Antes de se apresentar ao serviço obrigatório no Exército americano, em 1958, ele ainda realizou quatro filmes, de qualidade francamente questionável. Mas de sucesso cataclísmico, é claro. Seu primeiro disco havia sido lançado dois anos antes do Exército, contendo um cover de Blue Suede Shoes, de Carl Perkins, que acabou ofuscando a própria versão original. O curioso é que o disco teve as cores e o formato das fontes da capa copiadas pelo Clash em seu London Calling, outro grande disco que completou 30 anos no dia 6.

Após a saída do exército, Elvis já não tinha mãe. Isso, combinado à pressão dos managers, facilitou o retorno imediato aos estúdios. Não à toa, seu primeiro disco pós-experiência militar tem o óbvio nome de Elvis is Back! (1960), gravado e vendido às pressas. Elvis se casou pouco depois e a maior parte dessa década foi usada pelo astro para gravar diversos filmes. Porém, seus discos de 1967 e 1969, o gospel How Great Thou Art e From Elvis To Memphis, respectivamente, permanecem como highlights em sua prolífica jornada musical, mesmo que não sejam tão cultuados pelo mundo quanto os singles do início.



A década de 1970 trouxe mais algumas muitas turnês milionárias e mais um tanto de sacolas de dinheiro, como sempre. No entanto, o cantor começou a experimentar um gradativo ganho de peso, que viria a ocasionar múltiplos problemas de saúde, que piorou com o vício em medicamentos. O divórcio veio em 1972, trazendo ainda mais pesar ao já desgatado espírito de Elvis. Suas fotos célebres trajando camisetas extravagantes, costeletas robustas e alguns milhares de quilos a mais datam dessa época. Sua morte veio a se concretizar cinco anos depois, decorrente dos problemas de saúde, de um suposto coquetel de drogas e, bem, da vida típica de rockstar, que costuma matar alguns deles.

Elvis Aaron Presley era uma figura idiossincrática. Não só por seus famosos rebolado e visuais, praticamente inaugurados por ele. Dizia-se que ele enjoou de sua esposa, após a mesma ter dado à luz. Mulheres que já haviam gerado vida se tornavam entediantes para ele. Como a sua música nada tem a ver com isso, continua por aí, se disseminando entre ipods, cds piratas e alguns vinis encarquilhados. Nada disso importa. Goste-se ou não, Elvis é imortal. Sabe como eu sei disso? Porque 8 de janeiro também é aniversário de outro ícone, David Bowie. Só que mais ninguém se lembrou disso, né?

Um comentário:

Anônimo disse...

destesto gostar do texto de alguém. detesto. em primeiro lugar porque sempre fico pensando porque é que EU não resolvo escrever assim, o que já me incomoda; em segundo lugar, me vicio nos textos das pessoas e caso as mesmas não possuam uma coleção infinita de obras, vou ler um blog inteiro e vou passar por sérias crises de abstinência apertando F5 desesperadamente, às vezes durante meses. mas enfim, gostei do seu texto. inteligente e fluido.