segunda-feira, dezembro 28, 2009

Is This It não é tão importante assim, ok?




A NME já tratou de jogar na praça mais uma de suas intermináveis listas de melhores de alguma coisa no campo musical. Como não poderia deixar de ser, as últimas listas do semanário priorizam artistas sem nada de novo para acrescentar. Is This It, do Strokes, abocanhou a primeira colocação na eleição dos melhores discos da presente década. O lançamento foi concebido em 2001, período fértil de criação de pelo menos uns 144 discos que na época estavam “salvando” o rock. Passaram pela fila de possíveis salva-guardas do gênero discos do Vines, do Hives, do White Stripes e até mesmo o The Darkness teve vez. No entanto, apenas Is This It ostenta o colete salva-vidas até hoje, sendo que o resto perdeu fôlego histórico.

Antes de 2001, os rapazes do Strokes já eram jovens ricos e bem alimentados de Manhattan. Tão ricos que tratavam seus problemas com o alcoolismo em lugares insalubres como a Suíça. Julian, o vocalista, é filho de John Casablancas, notório empresário e milionário nas horas vagas. Após assinarem com a RCA, o produtor Gil Norton (Pixies, Foo Fighters, James) foi indicado para conduzir a sonoridade final do debut dos garotos. No entanto, os moleques ficaram insatisfeitos com os primeiros resultados sob a batuta de Gil, achando que tudo aquilo que gravaram estava limpo demais. A produção passou então para alguém bem menos reconhecido, Gordon Raphael, que deixou o som do modo que os Strokes queriam. Mesmo com a grana polpuda pertencente às famílias dos integrantes, o produto dessa união foi concebido em um estúdio vagabundo de porão, o Transporterraum, localizado em Manhattan. Nascia aí, então, a aura de “Garage Rock Rebirth” de Is This It.

O resultado foi um disco bacana, que merece a aura que o cerca em apenas em alguns momentos, como na ótima “Hard To Explain” e na mundialmente difundida “Last Nite”, a típica canção grudenta de rock que salva qualquer festa.

Mas, voltando a questão primordial: como você ressuscita algo que nunca morreu?

O rock de garagem por excelência foi uma alternativa eficaz adotada por músicos paupérrimos sem grana para alugarem estúdios profissionais, com bons equipamentos e produtores. Na ânsia de tocar assim mesmo, os rapazes se reuniam em garagens, porões e estúdios amadores. Um belo exemplo do popular DIY (do-it-yourself). Os anos dourados da rapazeada da garagem foram os 60s, época de nascimento de grupos seminais como os Sonics, os Seeds e o Music Machine, além daquele que provavelmente é o conjunto mais famoso, Iggy e seus Stooges. O som apresentado pelas bandas era cru e rascante, com bastante apreço pelo soul e as letras versavam sobre o que o rock sempre versou. Bebidas, motos, passeios e gatas.

The Sonics



Embora não tenham falecido, os grupos garageiros tornaram a ressurgir com força e quantidade apenas nos anos 80, representados em sua primeira frente pelo Fuzztones, Mummies, Thee Mighty Caesars (do sempre prolífico músico Billy Childish) e Chesterfield Kings. Os shows continuavam obscuros, as músicas mostravam pouco mais que um pedal fuzz tocado com galhardia. E quando o Strokes surgiu, não havia nada para resgatar, pois Detroit Cobras, The Dirtbombs, The (International) Noise Conspiracy e o próprio Mummies, além de muitas outras, ainda estavam queimando tudo no underground. Não é que o rock de garagem tenha falecido, a questão é que, dentre todas as citadas, somente o Strokes foi agracidado pelos braços gordos e aconchegantes do mainstream. Popularidade essa dividida no início da década com outros adeptos do rock de porão e iluminação fraca, os suecos do Hives, que já não mantêm a mesma fama de outrora.


Detroit Cobras



Zilhões de jovens no mundo todo passaram a usar os mesmos cabelos cuidadosamente sujos e o modo cuidadosamente displicente de se vestir do Strokes. De 2001 para cá, foram vendidos mais pôsteres do Julian Casablancas do que Bíblias. A influência social deles é inegável. Mas, cá entre nós: você realmente gosta tanto de Is This It, assim?

quarta-feira, novembro 04, 2009

TOP 5 PRESUNTOS DA SANTA INQUISIÇÃO

5 - Galileu Galilei (1564 - 1642)



Não foi assassinado pela Igreja Católica de fato, como todos sabem. Negou no tribunal toda a teoria de que os planetas giravam ao redor do sol, e não da Terra. Para contemporizar, os católicos picaretas o absolveram 341 anos depois de sua morte.


4 - Antônio José da Silva (1705 - 1739)



Dramaturgo judeu nascido no Rio de Janeiro, se mudou cedo para Portugal. A mudança se revelou uma decisão de merda, já que os judeus eram caçados como vermes por lá. Também não o ajudou o fato de Antônio ser um entusiasta do iluminismo. Foi preso pelos inquisidores em 1737, e sua situação piorou quando uma de suas escravas dedurou o escritor para igreja, denunciando sua circuncisão. Virou uma bola de fogo dois anos depois. Antes, como de praxe, deu uma passadinha no garrote.

3 - Angéle de la Barthe (1230 – 1275)

A primeira bruxa (não sei se as aspas cabem aqui) da história medieval. Foi acusada de fornicação com o demônio, o que geraria um super-demônio comedor de carne humana, com cabeça de lobo e rabo de serpente. O currículo de sempre. Fogueira nela.

2 - Giordano Bruno (1548 - 1600)



Astrônomo, filósofo, matemático, dentre outras 1001 utilidades. Serviu de influência para gênios como Newton, Espinoza e Leibniz. Defendeu teorias de sistemas solares e cosmologias e também virou churrasco, apesar de ser criacionista. Foi crucificado com pregos na língua e dizem que cuspiu em um crucifixo antes de morrer. Vai saber, né?

1 - Joana d'Arc (1412 - 1431)



De existência meteórica, a jovem francesa começou a ter visões de São Miguel logo aos 13. Vozes misteriosas sussurrando em suas orelhas também vieram no pacote. Dentre as exigências, constavam a permanência de sua virgindade (!) e a condução do príncipe herdeiro Carlos (o delfim) ao trono francês, salvando a França dos ingleses. Ambas as intenções foram bem-sucedidas, mas Joana quis fazer gracinha e tentou expulsar de vez todos os ingleses de Paris. Foi capturada e também se tornou um toco de madeira flamejante. A história da jovem rebelde foi o mote para o fantástico filme A Paixão de Joana D'arc, de Carl Th. Dreyer.



RIP, folks.

terça-feira, novembro 03, 2009

Dentes de ouro não perdoam

Meu xará William Jonathan Drayton Jr é uma figura única. Membro da muito valorosa trupe de hip-hop conhecida como Public Enemy, William fez e aconteceu nos anos 80 e 90. O grupo tem na ficha curricular grandiosos trampos, como os álbuns It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back, Fear of a Black Planet e Apocalypse 91... The Enemy Strikes Black, todos devidamente platinados e respeitados pelos amantes do rhythm and poetry e até por alguns uns não tão entusiastas do rap assim. William, comumente conhecido como Flavor Flav, era um dedicado estudante de piano em sua infância. Ele poderia até ter se tornado um grande mestre desse e de outros instrumentos, se ele não tivesse o horrível hábito de roubar os outros. Mais tarde, ele conheceu aquele que seria o principal vocalista do Public, Chuck D, e o resto foi puro ouro. Literalmente.

Flavor tratou logo de acrescentar robustos dentes de ouro à sua dentição usual. E claro que, ao se permitir a adição de tal acessório, sua vida não será mais a mesma. Um pacote de emoções vem junto. Para o pesar do rapaz, veio na forma de um aparentemente incontornável vício em múltiplos entorpecentes, que bagunçaram toda a sua vida e paralisaram o Public Enemy na década de 90. Na presente década, ele estrelou diversos (e absolutamente bizarros) reality shows no canal VH1. Já o Public Enemy, que nunca chegou a anunciar um fim de fato, voltou à carga de notícias. O coletivo pediu a ajuda (monetária) dos fãs para gravar um novo álbum. Já conseguiram 50 mil dólares. A meta é conseguir mais 200 mil. E os dentes continuam. Até segunda ordem, pelo menos.

Mike Tyson também implantou os tais dentes, mas apenas dois. Segundo ele, era uma homenagem aos seus heróis do boxe das décadas de 10 e 20. Preciso mesmo lembrar o que aconteceu com Mike ao longo do tempo? Johnny Depp também foi agraciado com o insólito presente. Mas foi mais esperto e tratou logo de anunciar o leilão dos mesmos. Caso você se interesse, no ehow (http://www.ehow.com/how_2248488_get-grill-like-flava-flav.html), tem a receita de como dar um update na sua boca.

Whitney Houston não chegou ao cúmulo de meter na cara uma dentadura dourada, mas também se viu acometida pela síndrome da dentição valiosa, que parece ter predileção pelos talentosos astros negros. Como no caso de Mike e Flavor, a fama adquirida, combinada a uns muitos elogios e uma predestinação à arte de cair na farra, a neo-diva torrou rapidamente toda a sua grana. Uma parte foi concedida aos seus fornecedores de cocaína, outra a solícitos bartenders, outra aos corretores de mansões. Teve que leiloar uma pá de pertences pessoais para cobrir abundantes dívidas. Uma de suas mansões, em Nova Jérsei, foi colocada à venda pela cantora. R$ 5,6 milhões. Encara?

O cantor Nelly também é um fã do aparato, chegou mesmo a lançar um single em homenagem. Até quando a bonança dele dura? Claro que isso não é uma regra. Mas, como Mike e Flav são pioneiros do segmento e sofreram barbaridade, fica aí o aviso amigo.
E você, tem um conhecido que aderiu ao estilo? Começou nas inocentes correntes de ouro e agora já pensa em migrar pra arcada dentária? Bom, seja um amigo e trate de dissuadi-lo, porque o troço é sério.

terça-feira, outubro 27, 2009

Fingindo que me importo com o mundo

Um dos mais dignitários amigos da raça humana, Mahmoud Ahmadinejad, já ameaçou, por mais de uma vez, riscar Israel do mapa (eufemismo para "explodir a porra toda"). Para o primeiro-ministro iraniano, o estado é uma farsa, mesmo que tenha sido instituído em 1948, oito anos antes do nascimento do mesmo Ahmadinejad.

O que eu suponho que ele finja não saber é que Ciro II, "O Grande", principal líder (e homicida, como não poderia deixar de ser) do antes gigantesco Império Persa e especialista na execução de avôs, liberou os judeus do domínio babilônico em 539 A.C., conduzindo-os de volta a Jerusalém. Obviamente que Ciro não foi tomado por um súbito intinto paternal. Ele apenas queria ter aliados na Palestina. Essa mencionada Jerusalém é, obviamente, a mesma Jerusalém dos dias de hoje, capital do estado israelense unificado. E o Irã é a atual Pérsia.

Então eu, humildemente, pergunto: e aí, os filhos devem sempre herdar as decisões dos pais?

segunda-feira, outubro 26, 2009

John Peel, o pai de todos os gostos

Qual é profissão mais glamourosa do mundo? E qual é a que bota mais dinheiro (e gatas) na mão do caboclo? Rockstar? Jogador de basquete? De futebol? De rúgbi, o mais novo hype no mundo dos atletas? Administrador de empresas? Hmm, ou talvez você, no cantinho mais recôndito do seu coração, espera (ou esperava) ser o novo Marlon Brando? Você pode ter escolhido todas essas, mas o seu vizinho muito provavelmente queria (ou quer) ser um dj renomado.

Grandes djs do mundo atual detêm tanta fama quanto determinados jogadores de futebol. As revistas dedicadas a eles se multiplicam dia após dia. A respeitada DJ Mag ganhou até versão brasileira e as raves comandadas pelo Fatboy Slim arrastam tudo quanto é tipo de gente pra tudo quanto é tipo de canto do mundo. Tiësto é tão conhecido quanto Zidane. Ibiza, a ilha espanhola situada ao leste do país, é um point de férias tão desejado quanto Fernando de Noronha. Grande barato esse negócio de arranhar discos e piscar pra plateia, né? Pois é.

O que pouca gente sabe é que você não precisa ser um virtuose das pick ups para ser considerado um dj. As origens da palavra remontam ao locutor que selecionava gravações e as transmitia ao público, através da simples radiofusão. O primeiro djstar da historia é Martin Block, que nos anos 30 (antes mesmo da invenção do Rock n’ Roll) se aproveitava de intervalos na programação jornalística de sua rádio nova-iorquina (a WNEW) e soltava diversas gravações entre os boletins. Ou seja, você não precisa ser um fritador de teclas para se tornar um disc-joquei. Afirmar isso é tipo dizer que todo guitarrista precisa ser o Steve Vai.

O mais valioso desses djs primitivos é John Peel, inglês, torcedor do Liverpool FC e freak desde a adolescência. Sua morte completou 5 anos em 25 de outubro. Era um fanático pelo futebol (aquele com bola, não aquele que os outros se derrubam com capacetes), esporte considerado muito suburbano para a escola almofadinha onde ele estudava. Ele foi requisitado pelo exército nacional aos 18 anos e ficou lá por 2. Quando voltou, caiu fora de Liverpool e se mandou pra tal da terra das oportunidades, em 1960. O Rock já havia nascido e causava apoplexia entre pais preocupados e filhos eufóricos. John aportou em Texas e tratou logo de arrumar um emprego no rádio.

A beatlemania engolia a tudo e a todos em 1963 e todo mundo nos Estados Unidos e no resto do mundo queria ser inglês – mais ou menos como nos dias de hoje. Peel, além de inglês, era de Liverpool, o que facilitou consideravelmente as suas pretensões como profissional de radiofusão. Naquela época ele ainda era John Ravenscroft. Considerando o nome longo demais para qualquer americano médio se lembrar, em 1967 ele adotou o tal “Peel”, sugerido por um funcionário de outra rádio.



Antes, 1965, com 26 anos, ele se casou com Shirley Anne Milburn, que tinha apenas 15. O matrimônio se revelou um cataclísmico erro para ambos e John pouco falou sobre a relação publicamente. O divórcio veio em 1973 e mais tarde ela cometeu suicídio. Mais tarde ele também admitiu ter sido vítima de abuso sexual, quando ainda freqüentava a escola.

Mas voltemos a 1967. Esse é, provavelmente, o melhor ano da história do Rock. Os Stones lançaram Their Satanic Majesties Request, bem aquém de suas possibilidades, mas Jimi Hendrix apresentou ao mundo Jimi Hendrix Experience, enquanto os Beatles retrucavam com Sgt Pepper’s e o Velvet Underground e Captain Beefheart humildemente divulgavam seus debuts, só pra citar alguns.

A porra-louquice inerente a Peel chegou ao auge no mesmo ano, quando ele e um dos seus amigos se passaram por repórteres do periódico Liverpool Echo e cobriram o assassinato de John F. Kennedy. Se apresentavam como funcionários do jornal e chegaram mesmo a participar da última conferência de Lee Harvey Oswald antes da execução do mesmo. Seus progressos como radialista também se tornaram claros em 67, quando ele assumiu o programa The Perfumed Garden (nome inspirado no livro), transmitido por uma rádio de Londres, chamada simplesmente Radio London. Nesse insano programa, Peel se recusava a lançar mão de hits fáceis, preferindo investir no underground musical (seria ele o progenitor desconhecido dos indies de hoje?) e tocar discos inteiros, atitude considerada bizarra até hoje. Alguns artistas que figuravam eram o (já citado) Captain Beefheart e os ingleses do T-Rex. A Radio London fechou pouco depois, mas o estrago estava feito. Finalmente ele adentrava os (bem mais equipados) estúdios da BBC, onde trabalhou até a morte.

No Top Gear, o novo programa, ele adquiriu o hábito de trazer alguns artistas que concediam performances ao vivo, sessões essas cuidadosamente preservadas para a posteridade. As bandas convidadas variavam em estilo musical, cor de pele dos integrantes e status de popularidade. Ou seja, em tudo. Teve espaço pra (quase) todo mundo, desde gente do mainstream, como AC/DC, até pra duos obscuros como o eletrônico Autechre, passando pelo grindcore vulcânico de um Carcass. Mesmo cercado por todo esse oceano infindável de notas e canções, Peel só viria a descobrir a sua música favorita apenas em 1978. Era Teenage Kicks, dos irlandeses do grupo punk Undertones. Ele não era um fã do rock progressivo dominante na primeira metade da década, e o surgimento do punk rock foi recebido de braços e mente aberta pelo dj. Teenage Kicks era uma das faixas que o levavam inevitavelmente as lágrimas, segundo o próprio. E mais tarde ela figurou orgulhosa na trilha sonora do funeral de John Ravenscroft.

John Peel também não se entrincheirava entre gêneros convencionais. Seu gosto era essencialmente intuitivo, prevendo sucessos e desfilando gêneros pouquíssimos usuais da música mundial. Entre os artistas que ele apresentou ao seu público, constam, além do mencionado T-Rex, gente bacana como U2, Nirvana, Velvet Underground, Roxy Music, Rod Stewart, Pink Floyd, e Sex Pistols . Ele gravou uma de suas Peel Sessions com o Pulp, treze anos antes de Jarvis Cocker alcançar a fama no Reino Unido.

Sua seleção eclética municiou os ouvintes com doses precisas de reggae, hip-hop, techno, drum ‘n’ bass, synthpop, death metal e punk, de 1967 a 2004.

Como cidadão naturalmente curioso, Peel um dia descobriu que a América do Sul podia ser mais que café, drogas e algumas mulatinhas bem ajeitadas. Ele então se aproveitou de suas férias e foi visitar Cuzco, no Peru, onde morreu. Ele estava acompanhado de sua esposa Sheila e sucumbiu após um ataque cardíaco fulminante. Dentre os artistas que lamentaram sua morte, Bernard Sumner foi o mais contundente: “Nem o Joy Division e nem o New Order existiriam se não fosse por John Peel”, cravou ele. Damon Albarn, do Blur: “A memória de John nunca será esquecida, porque ele tinha o espírito da música em si”.

Até mesmo o ex primeiro-ministro britânico Tony Blair se pronunciou, lamentando a morte de “um importante radialista que descobria raros talentos”. E claro que não podia faltar um pronunciamento de Feargal Sharkey, o frontman da banda que compôs a música mais marcante da vida do radialista. Em poucas e precisas palavras, o vocalista descreveu John como “o mais importante radialista que já conhecemos”. Sharkey afirma que tudo se tornou melhor em sua vida quando o dj reproduziu a canção em 1978, no Top Gear.

Dotado da humildade que às vezes aflora em gente realmente relevante, John não se vangloriava de nada. Segundo ele, as bandas é que faziam tudo. Ele apenas era o cara que tocava os discos.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Jack White, embaixador cultural

Jack White não gosta do Guitar Hero, nem do Rock Band.

Em evento recente que também contava com a presença do guitarrista do colosso Led Zeppelin, Jimmy Page, o white stripe declarou ao New Musical Express que "é deprimente que uma marca venha e diga para você que (o "Guitar Hero") é como as crianças estão aprendendo sobre música e experimentando música". É uma pena, mas o fato de Jack minimizar uma forma de diversão tão honesta – e de achar que é um troço só pra crianças - ainda não elimina os outros fatores que o tornam um cara tão legal.

Nascido John Anthony Gills, além do famoso White Stripes, o rapaz atualmente empresta sua perícia ao Dead Weather e ao Raconteurs, bandas também formadas por ele. Ambos os projetos mantêm o burburinho que despertaram quando foram criados, o primeiro em 2005, o segundo em 2009. Todos os dois contam com os serviços do músico Jack Lawrence, baixista do Greenhornes, grupo que também alcançou alguma luz dos holofotes com a "ajuda", mesmo que involuntária, do seu brother White.

Como se não bastasse, Jack (o White) também é um competente produtor de diversos álbuns alheios, além do próprio White Stripes. Além de comandar lançamentos de bandas como Von Bondies, o sujeito chefiou a produção do excepcional álbum Van Lear Rose, da lenda country Loretta Lynn. Além de produzir, convocou parte de sua galera de Detroit para ajudar na composição, Lawrence e o baterista Patrick Keeler (Raconteurs) incluídos.

Ou seja, você pode até não gostar, mas é inegável que Jack é um baluarte da música de sua cidade. Ele não só guia algumas mesas de mixagens, mas também é responsável pela formação de vários grupos que recrutam músicos locais. Na sua cidade tem um cara desses?

E você já ouviu falar do Soledad Brothers, conjunto falecido e nativo da já citada capital de Michigan? Pois deveria. Jack também os produziu, o que revela uma inevitável tendência de se conectar ao blues. A música preferida dele é Grinnin In Your Face, canção de uma das lendas do Mississipi, o bluesman Son House. Em tempos como os nossos, onde o Timbaland domina sozinho as paradas de sucesso, nada como ter boas pessoas como White para manter queimando a chama desses gêneros musicais seminais, mas um tanto quanto esquecidos pelo mainstream.

domingo, outubro 18, 2009

Dizzee Rascal, o atual dono de Londres

A Região de Bow se situa na região noroeste de Londres e é, obviamente, dominada por torcedores do Arsenal e do Tottenham Hotspurs, os clubes de futebol que protagonizam o maior clássico esportivo da área. Todos os jogos entre ambos envolvem uma graúda dose de porradaria e mal estar, disseminando uma dor de cabeça gigantesca entre os nativos. No entanto, é improvável que algum desses hooligans atendam por uma designação tão sincera quanto rascal (patife, canalha).

Dylan Kwabena Mills recebeu o apelido quando aluno do ensino médio em uma escola pública de Bow, uma das quatro instituições que expulsaram o moleque durante um número igual de anos. Além da periculosidade estudantil inata, Dylan mantinha no currículo algumas habilidades úteis que incluíam puxar carros e sair na mão com professores em geral. Tudo se encaminhava para o previsível fim, que pavimentava o caminho de mais um moleque negro sendo assassinado por versões britânicas do Capital Nascimento.

Numa reviravolta digna de um dos melhores trabalhos de Frank Capra, Dizzee começou a compor utilizando-se de um computador da escola – sendo que música foi a única matéria onde ele conseguiu sobreviver, tendo sido impiedosamente chutado de todas as outras. Sua mãe (que se tornara viúva ainda na infância de Rascal) tratou logo de comprar os outros equipamentos necessários, o que capacitou Dizzee a se tornar um dj amador, ocupação essa tão disseminada e cobiçada na presente década. Aos 16 ele produziu seu primeiro single, o hit independente I Luv U. Na música, estão presentes todos os maneirismos aprendidos por ele em sua curta vida de delinqüência, como a letra que descreve uma garota chantagista que se apóia em uma gravidez indesejada. Essa pequena bolacha serviu para apresentar o estilo pioneiro de Dizzee e seus trutas, que se apresenta com o nome de grime (ritmo popular de Londres, uma mistura de hip-hop, dancehall e drum ‘n’ bass). A partir daí, foram três disquinhos de ouro e uma platina.

Inicialmente ancorada no tal grime, obscuro, cheio de samples com linhas guturais de baixo, a carreira de Dizzee foi se desanuviando tal como a sua mente, digamos assim. As letras mal-humoradas do começo foram dado espaço a um hip-hop mais festeiro, arquitetado por ases da música eletrônica mundial. Algo como o Mantronix de 2009, com uma produção digna de 2009. É aí que entra “Tongue N' Cheek”, álbum lançado no fim de setembro. O abandono das raízes grime do início foi anunciado por ele mesmo. Dizzee agora queria algo mais pop, e recrutou os hypados djs Calvin Harris e Armand Van Helden para produzir o troço. Até tênis baseado no disco saiu!

E o resultado é estupendo. Times, Guardian, NME, Pitchfork (e eu, né?), todo mundo elogiou o disco. A mistura bem dosada de música house, hip-hop e produtores calibrados, tudo isso ajudou a alicerçar um dos melhores lançamentos do ano. E peço desculpas pelo superlativo manjado.

Em menos de um mês desde a liberação oficial do disco e em meio à época onde só doidos compram cds, Rascal já levou uma platina. Três singles do disco alcançaram o primeiro lugar na Inglaterra. Ele emplacou colaborações com figuras tão díspares como Alex Turner, Lily Allen e Chrome. É o novo rei de Londres, ao menos até segunda ordem.

Com exceção de Chillin' wiv da Man Dem e Leisure, r & b’s mais contidos, todas as faixas de Tongue N’ Check podem, tranquilamente, ocupar sets de djs de quase todos os clubes noturnos do planeta. Não importa se você é um rocker preconceituoso ou algum nostálgico que defende a interdição da prática de fazer música. Experimente ouvir Dirtee Cash e Bonkers - onde o jovem Dylan Mills esclarece que ele não é bonkers (doido), mas sim free (livre) - e tente se manter indiferente.

E, mesmo de má vontade, admito que até a faixa produzida pelo famigerado Tiësto, o rei (e culpado pelo vírus ) do trance mundial, é foda. Tenso.

quinta-feira, outubro 15, 2009

domingo, outubro 11, 2009

Minha intenção com esse blog ridículo é falar de tudo. Ficou estiloso o ETA ali em cima do Messi com o Leandro, né? Pois é. Então, vai lá mais uma desocupação pouco inspirada:


E o emo, ficou pra quem?

Ian Thomas Garner MacKaye é um simpático senhor calvo de 47 anos, completados em abril. Na ativa desde os 17, ele é o responsável por trazer à vida algumas bandas bem respeitadas por um bom número de gente, além da gravadora Dischord Records. Ele formou o Minor Threat, a principal banda hardcore straight edge da história e o Fugazi, que é uma dessas bandas que, mesmo que desconhecidas pelo público em geral (o seu vizinho fã do Nickelback provavelmente não conhece e provavelmente não vai gostar), são defendidas com galhardia ímpar por seus fãs. O Fugazi visitou o Brasil e 1998 e se encontra em hiato desde 2002.

Outra notória criação de MacKaye é o Embrace, quarteto de Washington que existiu durante apenas um (produtivo) ano, entre 1985 e 1986. Apenas um álbum foi lançado pelo grupo, auto-intitulado. Uma das canções do disco se chama Dance of Days, o que instantaneamente ativará em alguns uma conexão instantânea com outro coletivo musical, ainda vivo. Mas isso é assunto para outra hora.

Ian MacKaye levou um tremendo susto em 1986. Ao abrir uma das edições da revista americana Thrasher, especializada em cultura skateboard e que também abre espaço para resenhas musicais, o carequinha boa-praça leu no periódico que o Embrace fazia um som que poderia ser alcunhado de Emocore (Emotional Hardcore). Não só o Embrace, mas também outros grupos conterrâneos e contemporâneos, como o Rites Of Spring (cujo dono, Guy Picciotto, se tornaria um membro do Fugazi) e o Beefeater. Como não poderia deixar de ser, MacKaye se pronunciou em um show, onde dizia que “Emocore é a coisa mais estúpida” que ele já tinha lido e que “Hardcore já era ‘emocional’, pra começar”. O vídeo se encontra no youtube. Corre lá: http://www.youtube.com/watch?v=mbdh0Qm_5A0 .

O Hardcore existe desde o fim da década de 70. Sempre se notabilizou por um som rascante, de pouca duração, uma variação ainda mais intempestiva do Punk Rock. Alguns dos inventores são o Black Flag, o Dead Kennedys, o Bad Brains e o já mencionado Minor Threat. O Black Flag e o Dead Kennedys se caracterizavam pelo humor negro no lirismo. “Olhe o que você fez com os seus braços. [...] Você nunca foi a garota dos sonhos, mas agora você está pior que antes”, berrava Henry Rollins, do Black Flag. Já Jello Biafra, do Kennedys, preferia musicar (ironicamente, of course, confrades) o seu apreço por dar cabo de criancinhas, e que a sua era a próxima. O Minor Threat estendia a bandeira do não uso de drogas. O Discharge e tantas outras se utilizavam de suas composições para se concentrar na expressão de suas convicções políticas. Os tópicos mais afeitos aos sentimentos humanos abordados por gente como o Embrace e o Rites Of Spring, juntando-se ao andamento mais lento e introspectivo das canções e ao termo (emo) de origem nebulosa, foram a deixa para a Thrasher e outras publicações e críticos começarem a bradar sobre o tal “Emocore” aos quatro pontos cardeais, nos anos 80.

A nova nomenclatura, porém, se manteve nos guetos musicais durante um longo tempo. Foi resgatado, sabe-se lá como, exatamente, com a chegada do século XXI. Bandas como Good Charlotte e Dashboard Confessional, que se utilizam da fórmula “pop punk + letras sentimentais” fizeram retornar à baila a denominação usada uma década e meia atrás pela Thrasher. Só que agora o termo não mais se restringia à parte puramente musical da coisa. Se tornou uma extensão de comportamento. “Ser emo” era uma definição tão válida quanto “ser taciturno” ou “ser histérico”. Se você deixava vazar a informação de que tinha vertido algumas lágrimas durante a projeção de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, você era emo. Se você tropeçava em público, você era emo. Se você tinha uma mp3 do Simple Plan, você era emo. E fim de conversa. Ao mesmo tempo em que se tornou uma vertente comportamental, o renascimento do nome trouxe consigo toda uma nova forma de vestuário. Franjas, Hello Kitty, acessórios com bolinhas. Era tudo emo.

Canais major de televisão, como a Rede Globo e o SBT, dedicaram matérias caprichadas ao tema, tudo em horário nobre, nada de reprise na madrugada. Rodolfo (aquele que andava com o ET, tão ligados?) chegou mesmo a levar um safanão de um suposto punk, ao se fantasiar de garoto emo para uma reportagem, nos arredores da galeria do rock paulista. Bandas brasileiras que explodiram recentemente, como Fresno e NX Zero, também foram introduzidas no grande e acolhedor saco chamado Emotional Hardcore. No entanto, tanto eles como a nova geração de bandas gringas fugiam/fogem do “rótulo” como lesmas da saleira. Ninguém nunca teve a coragem (?) de tomar pra si a classificação, que rendeu e ainda rende dividendos e mais dividendos de grana preta. De Ian Mackaye a Diego Ferrero, todo mundo fugiu com vigor impressionante do filho inglório.

Por isso, refaço: o emo, produto rentável, ficou pra quem? Morreu incrustado nos cintos de rebite?

Ou está hibernando por mais quinze anos pro “re-retorno” triunfal?

quinta-feira, outubro 08, 2009

Um filme aleatório

Billy The Kid, nascido Henry McCarty, é uma das figuras mais populares da história dos Estados Unidos. É figura certeira na primeira fila da árvore genealógica dos mitos norte-americanos, compartilhando o mesmo nível de Al Capone, John Dillinger e outros, para ficar só nos desobedientes à lei. Tendo vivido apenas vinte e um anos e alguns meses, se tornou uma referência em termos de bandidagem raramente vista até então, e mesmo desde então. Seu campo de atuação não se restringia apenas à nação estadunidense, mas também era figura tarimbada no México. Sua primeira prisão foi aos 14 anos, problema prontamente contornado por ele, ao fugir para o deserto mexicano e dar prosseguimento à sua jornada de punguista. Cometeu seu primeiro homicídio aos 17. Ele influenciou não só toda a cultura western, mas serviu de inspiração para obras magistrais de quadrinhos, como Tex.

Paul Newman ainda não era um astro em maio de 1958. Um de seus filmes de 1956, Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), havia alcançado a difícil tarefa de cair no gosto de público e crítica, atraindo alguns olhos para o até então desconhecido ator, mesmo que alguns desses olhares pudessem ter existido apenas pelo ofuscante brilho azul que saltava dos olhos do iminente galã. Marcado pela Sarjeta, em que Newman interpreta o boxeador Rocky Graziano, havia servido para consertar a auto-estima do ator, que havia sofrido um potente cruzado de direita com o fiasco de 1954 chamado Cálice Sagrado (The Silver Chalice), que, de tão ruim, obrigou o ator a publicar um anúncio de página inteira em um jornal de Los Angeles, desculpando-se pela risível atuação. Após as boas resenhas de Marcado pela Sarjeta, Newman era uma estrela ascendente, que se consolidaria em setembro de 1958, com o lançamento do clássico Gata em Teto de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof), dividindo atenções com a (ainda) exuberante Liz Taylor e sendo indicado pela primeira vez ao Oscar. Antes do estouro deste, no entanto, Paul filmou uma jóia pouco conhecida, comandada por outra figura em início de carreira cinematográfica, o diretor Arthur Penn.

A mais famosa adaptação da história de vida do pistoleiro Billy The Kid é, muito provavelmente, Pat Garrett & Billy The Kid, de 1973, do estupendo diretor Sam Peckinpah. Até por conta da trilha e participação cênica de Bob Dylan no filme, o que acabou obscurecendo Um De Nós Morrerá, que já não era a mais lembrada das obras cinematográficas, nem mesmo dentro das filmografias de Penn e Newman. Arthur Penn era um elogiado diretor de dramas televisivos, de 35 anos. Ele concebeu o roteiro de Um De Nós Morrerá junto com Leslie Stevens, e, inicialmente, os dois tencionavam entregar o papel ao ícone James Dean, que morrera em 1955. Coube a Paul Newman interpretar essa nova encarnação do lendário fora-da-lei, figura tão carismática e conhecida em solo americano quanto qualquer um dos Kennedys. Na versão de Penn, o criminoso ainda não era conhecido pelo apelido. Era William Bonney, jovem forasteiro que aparece na fazenda do rico proprietário de terras Tunstall (conhecido como “O Inglês”), afirmando estar vagando desde Kansas até aparecer no Condado de Lincoln, no atual estado de Novo México, procurando qualquer tipo de trabalho para matar a fome. Ele é pouco instruído, mas Tunstall confia no rapaz e o emprega. A fama do recém-chegado já não é das melhores, com um dos empregados espalhando uma história de um possível assassinato de Bonney já aos 11 anos de idade, que teria sido cometido no Texas.

Ainda assim, o proprietário simpatiza com o garoto e até começa a ensiná-lo a ler, mas é assassinado pouco depois por um fazendeiro rival, o que instiga ainda mais o instinto sanguinário do jovem Bonney, já naturalmente incendiário. Ele se une a dois capangas, também empregados d’O Inglês, e parte em busca de vingança contra os homens que assassinaram o homem que o acolheu de tão bom grado. Não demora muito para que os cartazes de “Procurado”, existentes em todo o condado, comecem a estampar o nome do rapaz, que, com suas peripécias ilegais, enfim se tornara Billy The Kid. O típico sotaque sulista está sempre presente em todo o filme, e ainda há passagens condizentes com a história real do fora-da-lei, como os primeiros encontros com Pat Garrett, o xerife que vai se tornando descontente com os novos rumos que Billy decidiu seguir e se torna o seu principal antagonista. O título original, Left Handed Gun, se refere à crença de que William era um canhoto e utilizava a mão esquerda para mandar os seus inimigos ao “mais profundo dos infernos”, como ele mesmo diria.

Um De Nós Morrerá foi lançado em maio de 1958, quatro meses antes de Gata do Teto de Zinco Quente, que consagrou definitivamente Paul Newman como figura importante em Hollywood. Os outros atores são ainda mais desconhecidos, portanto, não há astros na película. Talvez por isso não há tantos closes. Penn prefere enquadrar os atores de corpo inteiro ou de longe. Em noventa e oito minutos, acompanhamos as mudanças de humor de Bill Bonney, da arredia presença do começo até o rapaz amargurado e repleto de dúvidas que vai aos poucos suprimindo o personagem anterior. A atuação do protagonista é firme e nos confere a credibilidade necessária para levar em conta a abordagem atípica do diretor, sugerindo novas facetas psicológicas ao notório pistoleiro. Penn não nega que William Bonney é um bandido, e dos mais periculosos. Mas ele sugere algo mais.

Na presente década, tão distante do século XIX que deu luz ao criminoso, você, munido apenas da corriqueira internet e de alguma curiosidade um pouco acima da média, tem acesso fácil ao filme em questão, que é conhecido apenas por alguns cinéfilos dedicados e espalhados pelo mundo. A obra ainda foi engolida pelo sucesso esmagador e subseqüente de Paul Newman e de Penn, que dirigiu, dentre outros, Bonnie & Clyde (com Warren Beaty e Faye Dunaway) em 1967, conseguindo, enfim, ganhar (muito) dinheiro com cinema.

terça-feira, outubro 06, 2009

A música e o crime
Ligações perigosas

Sharon Lawrence, biógrafa e amiga do falecido James Marshall Hendrix, relata na sua biografia do mais adorado dos guitarristas da história de todo o Rock ‘n’ Roll: “Em fevereiro de 1967, a polícia de Sussex fizera uma batida na casa de Keith Richards e encontrara, segundo relataram, ‘várias substâncias de natureza suspeita’. Mick Jagger foi acusado da posse de quatro pequenas pílulas redondas encontradas no bolso de uma jaqueta que na verdade eram de Mariane Faithfull, namorada dele na época. [...] Eles foram levados a julgamento no final de junho. O juiz condenou Jagger a um ano de prisão e a pagar uma multa de 500 libras. A sentença de Richards foi mais branda: três meses de prisão e multa de 100 libras. [...] – Mick me disse que chorou ao ouvir a sentença no tribunal – falou Jimi Hendrix – Ele e Keith estavam com um medo terrível.” (Lawrence, Sharon, 2005, p. 166)

A criminalidade povoa a humanidade desde o mais remoto dos tempos. Não só pelo instinto homicida demonstrado por alguns expoentes do genocídio, de seitas insanas ou de assassinatos em série. Não só por exemplos como Nero, o piromaníaco (e suposto artista) de Roma, Genghis Khan, o conquistador da China ou Adolf Hitler, o mais notório dos eliminadores da espécie humana. Músicos proeminentes em geral também flertam, em constância assustadora, com o lado mais malvisto dos valores humanos.

Tanto Jagger quanto Richards, no incidente relatado por Sharon, não cumpriram, de fato, a estadia na prisão, mas a mancha no currículo moral já era irreversível. O próprio Hendrix lidou com um processo semelhante pouco tempo depois, sendo absolvido, após estressantes e humilhantes julgamentos de conduta. O alívio do guitarrista foi ser inocentado em duas frentes, tanto os julgamentos oficiais, presididos por uma corte e um júri, quanto aquele outro julgamento mais visceral, conduzido pelo olhar crítico da sociedade e que pode acabar por ser de vigência vitalícia.

Quando os poderosos tentáculos da lei alcançam figuras proeminentes do circuito musical, não atingem apenas os roqueiros. Acabam por abraçar também envolvidos com um tipo de música, digamos, mais “acadêmico”. Thelonious Monk, um dos fundadores do jazz bebop, foi acusado em 1951 de posse de narcóticos, que foram encontrados após uma revista em seu carro. As drogas pertenciam a um amigo de Monk, outro influente pianista do bop, Bud Powell. Mas, ainda sim, Thelonious teve cassada a sua licença de se apresentar em Nova Iorque, tendo perdido na década de 50 diversas oportunidades de realizar concertos na cidade, vizinha do berço explêndido de todos as subdivisões mais influentes do Jazz, Nova Orleans. Bud já havia tido problemas suficientes com policiais, sendo espancado em um incidente no ano de 1945, época do auge do bop. Em 1947, foi internado num hospital psiquiátrico, onde teve o cérebro permanentemente danificado por eletrochoques.

Merle Haggard, lenda ainda viva da música country (e cujo disco I'm a Lonesome Fugitive deveria ser ouvido por qualquer um) se encontrou no xilindró em 1957, após uma patética tentativa de assaltar uma taverna em Bakersfield, Califórnia, para tentar saldar algumas dívidas. Ele foi enviado a San Quentin por três anos, famoso presídio que chegou a receber apresentações de outro gigante do country, Johnny Cash, o homem de preto. Cash só não cumpriu ele mesmo alguns anos em San Quentin por aquilo que algumas culturas chamam de sorte, pois se tratava de notório e compulsivo consumidor de barbitúricos. E suas versões para canções de lirismo explícito que abordavam o crime e drogas em geral (“I took a shot of cocaine and I shot my woman down”) também saíram ilesas, no fim das contas

Por falar em lirismo, a língua inglesa sempre se diluiu em alguns muitos dialetos, para desespero de alguns acadêmicos. Em Londres temos o cockney e em Liverpool temos o scouse, ambos devidamente incomprensíveis para quem ainda está no estudo do verbo to be. Já aos estadunidenses sobra o eye dialect, sendo que esse foi usado com freqüência por escribas clássicos como Mark Twain e William Faulkner. Nessa particular subdivisão da língua anglo-saxônica, o objetivo é se utilizar de uma soletração diferente para chamar a atenção para a pronúncia. Daí, “killer” se torna “killa”, e “gangster” se torna “gangsta”.

Foi a partir dessa contração pouco convencional que se originou a nomenclatura do famigerado Gangsta Rap, subclasse (mais) violenta do lirismo rap. O gênero nasceu nos 80, tendo como alguns expoentes os rappers Ice T e Schooly D. É alvo fácil de críticas de religiosos e defensores da moral, que os acusam de promover a apologia ao crime como forma de vida. Alguns dos artistas identificados pelo estilo cometeram, de fato, obstruções conta a lei. Alguns exemplos incluem o falecido Tupac Shakur e Snoop Dogg, ambos com passagens pelo xilindró. Tupac recebeu discos de ouro na cadeia, por seu álbum Me Against The World. Ele cumpria prisão por abuso sexual.

Os exemplos não ficam apenas no mainstream. Bertrand Cantat, vocalista da banda francesa de rock alternativo Noir Désir, cumpre pena, atualmente em liberdade condicional, por ter assassinato a namorada utilizando-se apenas de suas mãos nuas. Como não poderia deixar de ser, o vice-versa aconteceu. Felix Pappalardi, do Mountain, foi assassinado por sua própria esposa. As ocorrências criminais envolvendo músicos são múltiplas, envolvendo milhares de delitos diversos, e inundariam todo o banco de dados desse blog.

E alguns deles parecem nem se importar muito. Afinal, como é mesmo um dos ditos mais conhecidos de Keith Richards? “Nunca tive problemas com drogas, só com a polícia”.

sexta-feira, outubro 02, 2009

They shoot horses, don't they?

Confesso que me interesso pela história de alguns movimentos armados. E o ETA faz 50 anos em 2009. A sigla significa Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) e o lema do grupo é Bietan jarrai, que significa "Seguir nas Duas". As duas, no caso, são as lutas militar e a política.

Como qualquer estudante primário de história sabe, o ETA luta pela independência total do País Basco, que compreende alguns territórios situados no noroeste da Espanha e no sul da França. Com o Tratado de Guernica, em 1979, a região adquiriu autonomia e parlamento próprios, mas para o grupo, considerado terrorista pela maioria dos países que mandam no mundo, isso não é suficiente.

As ações da organização assassinaram cerca de 800 pessoas, um pouco menos que outro exército de libertação igualmente famoso, o IRA. Chegaram mesmo a assassinar um primeiro-ministro, Carreiro Blanco, ao adornarem o carro oficial do governista com uma bomba, em 73. A região abriga também um famoso clube de futebol, Athletic Club de Bilbao, que só aceita jogadores nascidos ou criados no território basco.

O ETA afirmou ter deposto as suas armas em 2006, mas o seu próprio lema parecia duvidar. E em 2007 eles estavam de volta. Aguardem notícias.

terça-feira, setembro 29, 2009

Imagem do ano
















Leandro Almeida marcando Messi

sexta-feira, setembro 25, 2009

Poder cru no sete de novembro
O Planeta Terra sobreviverá a Raw Power?

Os Stooges ainda vivos anunciaram que vão reproduzir, na íntegra, o clássico álbum Raw Power (de 1973), no All Tomorrow’s Parties em Londres, nos dias 2 e 3 de Maio de 2010. Longe de ser mera coincidência, pois a nova formação dos Patetas traz James Williamson, que esteve nas gravação do disco supracitado. Iggy e seus amigos foram confirmados no Planeta Terra 2009, e o boato que permeia a web é que por aqui também irá rolar execução integral da bolacha.

Pouco antes das gravações do álbum em questão, a banda havia sido literalmente expulsa pela Elektra Records, devido ao comportamento desordeiro de seus integrantes e das ridículas vendagens que eles conseguiram. O disco é da época em que Iggy se cansou de Ann Arbor, Detroit e de todo o roqueiro estado de Michigan e se mandou para Londres com Williamson, onde aprontaram altas curtições com o novo melhor amigo de Pop, o onipresente David Bowie. Daí, Raw Power foi o primeiro dos então três lançamentos do grupo a receber uma alcunha diferente, com o nome do cantor atrelado ao nome da banda. “Iggy & The Stooges”, tal como “Velvet Underground & Nico”. Os irmãos Asheton, presentes na cozinha dos dois primeiros álbuns, voltaram, já que Iggy e James não conseguiram nada melhor para substituí-los na ilha. Como o grupo implodiu novamente em 1974 (com Iggy saindo diretamente para a rehab) , para retornar apenas depois de longínquos vinte e nove anos, não é sacrilégio afirmar que o Iguana havia cansado, ao menos por ora, dos seus antigos brothers de Michigan. Mas tudo bem, pois Raw Power já havia sido concebido e se juntado ao auto-intitulado primeiro álbum e a Funhouse, transportando o Stooges ao concorrido panteão de bandas sem discos ruins (antes do contestado The Weirdness, claro).

O disco foi inicialmente produzido e mixado por Iggy e o resultado final foi visto pela gravadora Mainman como uma tremenda merda, do ponto de vista técnico. Apesar de que mãozinha de Bowie na remixagem pudesse despertar alguma desconfiança de que a banda acharia em seu âmago algum espaço para o “Art Rock” do camaleão, a estrutura primária do álbum é a mesma dos anteriores, músicas em forma de míssil, exportadas diretamente dos porões do estado natal. Não há nenhuma doideira excepcional do nível de We Will Fall, um coro fantasmagórico de dez minutos presente no primeiro lançamento dos Patetas. No entanto, há espaço para duas músicas de menor octanagem, Gimme Danger e I Need Somebody. Nenhuma das duas é afetuosa como qualquer uma daquelas canções do Sgt. Peppers, mas inegavelmente são duas solitárias ilhas de razoável sossego em meio à pancadaria que predomina.

As águas do Tâmisa não congelaram o candente coração de Iggy. Só que, na mesma canção em que ele grita que “o seu lindo rostinho está indo pro inferno”, ele se ajoelha com “eu quero me entregar a um amor tão doce”. Mas tudo bem, afinal ele é um rockstar e esse povo sempre foi esquisito por excelência.” A cataclísmica Search And Destroy divaga sobre o Vietnã, assunto tão em voga naquela época como Kanye West e Taylor Swift no presente. O primeiro verso da música (e do álbum) é “Eu sou um leopardo das ruas com um coração cheio de napalm”. Só pra deixar as coisas bem claras.

Raw Power, além de constar em zilhões de listas de melhores de todos os tempos, influenciou uma pá de gente diferente, de Smiths à Guns ‘n Roses. Kurt Cobain declarou certa vez de que se tratava do seu disco preferido. Johnny Marr admite a influência de Gimme Danger em Hand In Glove, sucesso dos Smiths. Já o Guns realizou um belo cover (até para mim, que não gosto deles) da faixa-título em seu álbum de covers, The Spaghetti Incident?. Você deveria ouvir, caso não conheça, assim como deveria ouvir o inusitado cover que Ewan McGregor, ator do escocês Trainspotting, realizou de Gimme Danger em outro de seus filmes, Velvet Goldmine. Youtube neles.

quarta-feira, setembro 23, 2009

John Lydon vs Johnny Rotten
O primeiro está de volta, o segundo continua adormecido


As referências bibliográficas, virtuais ou impressas, relativas à cultura musical que concentra os anos de 1975 à 1977, ignoram um rapaz chamado John Joseph Lydon. Só se ouve falar de um alter ego sacana e infame, Johnny Rotten, que liderou uma série de ataques verbais à realeza inglesa durante este breve período, além de trazer ao mundo algumas poucas canções nesta banda em que ele se encarregava dos vocais. Apesar de alguns rumores (despeitados, talvez) propagados por gente graúda da música de que ele e seus asseclas do Sex Pistols (sim, o nome era esse mesmo) se tratavam apenas de bonecos teleguiados pela indústria ditadora de comportamentos, esses garotos causaram um barulho cataclísmico durante a breve existência. Um deles até se envolveu em um caso de assassinato ainda mal solucionado, seguido de um suposto suicídio. Toda a balbúrdia detonada por eles deu rebento a apenas um disco de estúdio, devidamente canonizado por listas e mais listas de alguns críticos influentes, enquanto achincalhado por outros, tal como acontece comumente com todas as obras do universo.

John Lydon só veio ao mundo de fato em 1978, e manejando o leme de outro conjunto igualmente esquisito, mas a excentricidade do mesmo se propagava de outra forma. Enquanto um ano antes ele berrava do fundo de seu odioso coração contra a escassez de ocupações formais na ilha britânica, em canções objetivas que mal alcançavam os três minutos, agora ele se apresentava com o Public Image Ltd. Enquanto o Sex Pistols se utilizava daquele rock urgente descrito sabiamente por Legs McNeil e Gillian McCain como Punk Rock, o novo grupo era bem mais abrangente. Lydon ainda se apresentava ao vivo da mesma forma, agarrando-se ao microfone e arregalando os olhos vidrados como se o amanhã fosse algo improvável. Só que a nova banda era bem mais experimental e dissonante e não se furtava em tomar a extrema audácia de iniciar os seus discos com canções de... nove minutos! Essa nova encarnação do cidadão era mesmo muito insólita.

O debut do Public Image saiu em 1978 e se chamava First Issue. Com influência perceptível de grupos de krautrock como o Can, era a prova de que o nosso Joãozinho tinha cartas escondidas na manga, tipo aquele avô seu que te rouba descaradamente no pôquer, debaixo do seu nariz. O disco foi lançado pouco menos que doze meses depois do solitário filhote de estúdio do Sex Pistols. Será que John Lydon nasceu dentro desse tempo? Ou o que as estarrecidas platéias de 1978 viam era o verdadeiro eu do rapaz, suprimido pela vontade incontida de cuspir metaforicamente na cara da rainha?

Os outros dois discos subseqüentes do grupo também conquistaram vendagens razoáveis na Grã-Bretanha, além de algumas resenhas entusiasmadas. O segundo álbum, Metal Box, foi lançado originalmente no formato do título, e homenageado depois por alguns magos da música alternativa, como Steve Albini e seu Big Black. Enquanto os álbuns iam saindo, Lydon ia soltando algumas declarações condizentes com a novíssima sonoridade proposta por ele. Coisas como “se o rock ‘n’ roll me destruir, farei com que ele seja destruído comigo”, concedida à Rolling Stone.


De qualquer forma, dezessete anos depois do término, o PiL está de volta, sim, no longínquo ano de 2009, ao menos para uma turnê. Só o vocalista retorna ao posto, dos membros originais. O guitarrista Keith Levine e o baixista Jah Wobble não constam da nota de retorno. Como é que se chamava mesmo a tour de volta dos Pistols originais, The Filth Lucre?

segunda-feira, setembro 21, 2009

Gladiadores tupiniquins
Agnaldo Timóteo e Valesca Popozuda travam épico encontro

O espetáculo musical mais dantesco sediado em terra brasilis no presente ano de 2009 já ocorreu. Ainda faltam pouco mais de três meses para o ano alcançar o seu fim. Mas, por mais que Mike Patton cuspa fogo ou que Thurston Moore e Bobby Gillespie possivelmente se reúnam em uma jam movida a visíveis cartelas de ácido em dois dos festivais que irão movimentar o país mais carismático das Américas, nada poderá suplantar o espetáculo ocorrido em uma (inicialmente) tranqüila e anódina segunda-feira.

Geraldo Luís é um apresentador paulista, que se destacou na sucursal da Record de seu estado, apresentando o telejornal Balanço Geral SP. Devido às boas qualificações televisivas do rapaz - isso não significa sex appeal, mas sim interação, descontração, know-how no trato com o público -, foi convidado a atuar na matriz, comandando um programa transmitido para todo o território nacional, chamado Geraldo Brasil. A atração vai ao ar nos fins de tarde da Record, a partir das 16 horas, o que lhe dá algum tempo para bater de frente com colossos do elenco televisivo brasileiro, como Márcia Goldschmidt, da Bandeirantes, por exemplo. Ou seja: não tinha como Geraldo Brasil prestar, não é? É.

Na mais recente segunda-feira, dia 21/09, Geraldo Luís recebeu o veterano cantor Agnaldo Timóteo e a funkeira Valesca Popuzuda. A garota já estampou toda a sua voluptuosidade na Playboy e chefia o coletivo Gaiola das Popozudas, bastante requisitado em eventos funkeiros do país. Timóteo se trajava em seu costumeiro estilo elegante, que o levou a ser um dos grandes galãs da música romântica, rivalizando diretamente com o ícone Wando, o colecionador de calcinhas. Já a loira usava um vestido excepcional (!) que deixava à mostra toda a parte traseira de suas coxas, por assim dizer.

O pretexto para a realização de escalação tão insólita era um debate sobre a exploração do corpo na composição de música ou em trabalhos em geral. Geraldo Luis começou introduzindo os convidados, reproduzindo suas piadinhas ensaiadas de praxe, como manda o teleprompter. O problema é que, poucos minutos depois, os banquinhos providenciados para servirem de assento para os convidados foram prontamente esquecidos, tamanha a quantidade anormal de faíscas que saía dos lábios de cada um. O apresentador, que normalmente é um ótimo frontman e se caracteriza justamente pela verve bonachona, se resignou a apoiar-se em uma mesinha próxima, deixando que os dois respeitáveis expoentes da música nacional se digladiassem em perfeita paz.

Agnaldo não parecia nem um pouco hipnotizado pelo vestuário da jovem, ao contrário do resto dos espectadores e platéia presente, e com veemência demonstrada apenas em seus melhores concertos, atacava o estilo de vida e de arte proliferada pela Popozuda. Chegou mesmo a afirmar que o talento dela deveria ser “limitado apenas ao quarto”. Já a moça, totalmente à vontade com o clima vulcânico que a atração tomou para si, retrucava que era apenas mais um das abnegadas moças de família que contribuem para a firmeza cultural do país.

Tudo isso intercalado por algumas reportagens lascivas-informativas sobre o funk carioca, onde dançarinas esculturais se remexiam ao som do filhote brasileiro do miami bass.

E as três perguntas que agora pairam são: o que acontece quando os gêneros populares começam a brigar entre si? Isso é bom ou ruim?

E essa treta já tá no youtube?

quarta-feira, setembro 16, 2009

O conceito tem que continuar
(Doherty procura substitutos)

Pete Doherty não está resfriado, como começaria Gay Talese, mas anda desaparecido. As sarjetas não mais têm servido de abrigo quente e macio para o rapaz. Pelo menos de modo oficial, sabe-se que a sua última estadia forçada em uma dessas rehabs da moda foi em 2008. Desde então, os holofotes não mais capturaram Pete em uma das suas conhecidas viagens, ahn, internas. Nem a recente reunião do seu former group em maio, o Libertines, serviu para retirar o garoto do triste limbo dos rockstars com validade pré-definida. Ainda sim, ele é, provavelmente, a figura roqueira mais famosa projetada na atual década.

Ele é o roqueiro de nossa década. Todo mundo sabe que Thom Yorke é muito talentoso e etc, mas Thom sempre foi o rapaz de blusa de lã. Com seu figurino impecavelmente delineado (sempre), suas camisetas cuidadosamente perfuradas (herança de Sid Vicious, outra figura que também sabia se trajar) e o sempre providencial cigarrinho pela metade ocupando um dos cantos da boca, o ex-Libertines e atual Babyshamles se tornou um instantâneo sucesso entre a rapaziada dos blogs “rockers” e da proeminente cena alternativa do momento. Sua banda exercia o direito de chupinhar, com devidas restrições e algum talento, o som pioneiro dos grandes Clash e Jam. Mas, diferentemente dos rapazes presentes em seus pôsteres, Doherty nunca teve um London Calling ou um In The City para se ancorar, naquela velha filosofia do “sou drogado e beberrão, mas prolífico”.

Pete lançou dois álbuns com o Libertines, um em 2002 e um em 2004. O primeiro chegou ao 13º lugar da parada americana. Apenas o segundo alcançou o Top 5, estacionando em 4º naquela que é a corrida fonográfica que realmente importa caso você queira enriquecer, a estadunidense. Nenhum dos dois discos, contudo, serviu para alçar Doherty ou o seu parceiro Carl Barât à condição de ícones roqueiros. Barât, inclusive, é bem mais contido que o vocalista. O que alçou Doherty à condição de ícone da década (com grande ajuda do mundo virtual) foram as suas seguidas imposturas visuais. O garoto nunca deixou de fornecer oportunidades de ser fotografado em estados francamente lamentáveis, deixando pulular bem à vista à sua condição de adicto. Ou seja: os roqueiros de hoje não se notabilizam pelas gravações (ou você acha que Can’t Stand Me Now é um baluarte roqueiro?), mas sim pelo apreço à sarjeta e às bebedeiras televisionadas.

Os já mencionados Clash e Jam tinham ao menos meia dúzia de lançamentos em comum e são lembrados por tal. Kurt Cobain, apesar de algumas confusões, entorpecentes e súbitas aparições de cabelos avermelhados, tinha na manga um Nevermind, parte insubstituível daquela gama seleta de discos que sacudiram suas épocas.

Já o Pete... bem, o Pete se veste bem pra caralho.

sábado, setembro 05, 2009

Elevador, o último refúgio seguro
Ou “a descoberta de um nicho”

“Música de elevador” é, geralmente, o termo utilizado por pessoas preguiçosas e desinteressadas para designar um tipo de música mais lento, de baixa octanagem, por assim dizer. Sem a mínima paciência para tentar apontar os aspectos mínimos que diferenciam o, digamos, Coldplay do Explosions In The Sky, fica bem mais viável para essa galera jogar tudo no mesmo saco e fica tudo certo.

Outra convenção dos dias atuais é a contratação de profissionais (nem sempre) para coordenar a trilha sonora de determinados ambientes que não necessariamente são ligados à música em geral. Em Belo Horizonte, onde eu nasci, conheço pelo menos dois casos de djs da efervescente cena noturna que foram requisitados para colocar música em restaurantes e shoppings, de acordo com suas predileções. Tudo dentro de um requisito mínimo, claro. Se você se sente elogiado pelo convite, você não vai querer soltar o disco novo do Fantomas em um restaurante yuppie.

Entretanto, nós, humanos, ao correr da civilização, fomos nos tornando a mais barulhenta das espécies. Como se não bastasse o tom de voz, ainda construímos um monte de caixas de metais para nos transportar de um lado a outro, que produzem uma miscelânea de sons ensurdecedores. Inventamos o alto-falante. O megafone. O despertador. A Pitty. O Charlie Brown Jr. Os exemplos são múltiplos.



E o mais interessante, é que, caso você não seja um eremita versado na arte da cultura de subsistência, um Christopher McCandless bem sucedido, você não consegue fugir disso. A música ruim e irritante invade o seu lar, alcança o seu trampo, penetra sorrateira pela janela, tão bem-vinda quanto uma bala perdida. Por isso, se faz presente a necessidade de regulamentar a mais digna das profissões: disc-jóquei de elevador.

Você conhece o Brian Eno? Ele é ídolo-mor de qualquer ascensorista. Puxe uma conversa relativa a esse produtor com o responsável pelo elevador do seu prédio. Por mais taciturno que o cara possa ser, ele vai virar seu amigo, do tipo que te chama pro batizado do sobrinho e te apresenta pra mãe.

Entre os artistas que podem compor o seu repertório, temos Brian Eno, Christian Fennesz, Cluster... os exemplos são muitos. Se você pegar firme nessa profissão, não sai mais. O povo pode até não curtir a sua seleção, torcer o nariz e fazer muxoxo, mas também não vão se sentir agredidos como no caso do “pau na buceta” relatado na coluna Celeumas do dia 26/08, presente aqui mesmo, no Bis.

Por falar nisso, vazou ontem (25/08) na internet uma colaboração do indiezão Sparklehorse com o gênio da música ambient, o já citado Fennesz. O disco se chama “In The Fishtank”. Se eu fosse você, não desprezaria essa bolachinha.

segunda-feira, agosto 31, 2009

Sempre há alternativa

A notável cidade de Austin, Texas, revelou ao mundo os seminais Stevie Ray Vaughan e Janis Joplin, além do lisérgico 13th Floor Elevators. Austin possui um slogan próprio, "The Live Music Capital of The World", além de sediar um festival com o curioso nome de “Carnaval Brasileiro”. Também se notabiliza por ser uma localidade tão quente quanto, digamos, Aracaju, com temperaturas ultrapassando os trinta e oito graus no verão. E é de lá que vem uma bandinha que você precisa escutar, caso você já tenha se enchido das quinhentas e doze bandas que copiam o Joy Division e que insistem em surgir.

Foi o clima vulcânico de Austin que originou o White Denim, trio formado em 2006. A sonoridade dos rapazes se caracteriza por um amplo leque de possíveis definições, tendo como palavras-chave o rock de garagem, o soul, o dub e o blues, além de adicionais pitadas de um tempero jazzístico. O terceiro single da banda, Shake Shake Shake, do excelente álbum Workout Holiday, de 2008, seria considerado herege em rodinhas seletas do mainstream, pois contém um evidente, embora curto, solo de... baixo!

O novo disco do conjunto, Fits, lançado em junho, se baseia no mesmo know-how do anterior. Trata-se de um mais uma obra a ser enquadrada com a alcunha (às vezes, pejorativa) de “rock alternativo” ou “indie rock”. No caso desses texanos, não que eles se pareçam ou manuseiem seus instrumentos como os garotos do Fratellis, mas sim por se tratar de uma banda lançada por selos menores. Nada muito traumático.

Apenas uma das faixas de Fits ultrapassa quatro minutos, ora flertando com o rock psicodélico dos conterrâneos já citados, 13th Floor Elevators, ora flertando com o delta blues nativo da nação mais rica das Américas. Tudo isso mantendo como carro-chefe o garage rock, já firmemente ancorado no primeiro single do grupo, a poderosa canção “Let’s Talk About It”. A primeira canção de trabalho do novo álbum, “I Start To Run” é mais comportada e já possui um vídeo facilmente localizável no youtube. Novamente, o baixo de Steve Terebecki é o diferencial. Outros destaques do novo disco de estúdio incluem a curta e objetiva “I’d Have It Just The Way We Were” e “Regina Holding Hands”.

O trio é completado por James Petralli no vocal e nas guitarras e por Joshua Block, na bateria. Indicado a quem está com saudades daquela esquecida convenção chamada rock ‘n roll.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Com a benção de Bobby Gillespie e do Globo Repórter

Além do Alice Cooper, as principais peculiaridades estadunidenses dos anos 70 são as costeletas longas e grossas e as medalhas de honra forjadas em metal, concedidas aos derrotados, porém orgulhosos, soldados americanos que se aventuraram na Guerra do Vietnã. Kowalsky detém ambos, além de uma natural predileção por carros velozes. Soa familiar? Não é mera coincidência.

Kowalski (cujo primeiro nome não é revelado no filme), interpretado por Barry Newman, além de “herói” na já citada guerra, também é um ex-policial. Não um policial aposentado, mas um profissional expulso da corporação. Como se não bastassem dois “ex”, ele também foi um corredor automobilístico e motociclista. Alguns flashbacks nos revelam que, depois de todas essas carreiras terem virado pó, o sujeito se conformou em transportar carros para uma oficina localizada na cidade onde ele mora, Denver, no estado do Colorado. Sua nova missão é transportar um Dodge Challenger, ano 1970, de Denver para São Francisco. Kowalski, que, como dito, é um legítimo representante da geração “Born To Be Wild”, promete cumprir o percurso em apenas um dia. Depois de uma infração, ele passa a ser perseguido implacavelmente pela polícia, adquirindo a curiosa simpatia de um dj americano, que detinha acesso à freqüência dos oficiais.

Vanishing Point, de 1971, é, em pura essência, um road movie, repleto de momentos onde se ouve, além da trilha, apenas o ronco do Dodge branco e nada se vê além da vastidão desértica, emulando o clássico livro On The Road, de Jack Kerouac. O filme não tem, nem de longe, a fama de outra obra semelhante, lançada há apenas dois anos antes, Easy Rider (Sem Destino). Uma das explicações prováveis pode ser a presença de Dennis Hopper, que já mantinha alguma fama em 1969, ao que Vanishing Point tinha como protagonista o obscuro Barry Newman. O papel foi inicialmente oferecido ao astro Gene Hackman, mas as negociações se inviabilizaram, pois Hackman já estava ocupado com outro filme lançado no mesmo ano, The French Connection.

Charles Champlin, crítico do Los Angeles Times, chegou a comentar: “Vanishing Point pode ter um ponto, mas... mas... foi perdido”. A solitária jornada de Kowalski rendeu pouco na bilheteria americana (ao contrário da européia, onde obteve boa repercussão), mas se tornou um cult, principalmente na década de 90, quando foi refilmado (e piorado) com a atuação de Viggo Mortensen, o Aragorn de Senhor dos Anéis.

Ignorado pelos americanos na época do lançamento, o filme rende legado (e dividendos) até hoje. Quentin Tarantino, em seu Death Proof, inseriu uma perseguição a um Dodge branco. Um disco homônimo foi lançado pelo cultuado grupo escocês Primal Scream, em 1997. No álbum há uma faixa com o nome do protagonista, que rendeu um videoclipe com script de Irvine Welsh, autor de Trainspotting. O vídeo tem a a espetacular Kate Moss, na época com saudáveis vinte e três anos. Bobby Gillespie, o carismático líder da banda, chegou mesmo a comentar que o álbum se tratava de uma trilha alternativa para o filme. “Por que não compor uma álbum com o verdadeiro tom de humor do filme?”, questionou ele. O extinto Audioslave também buscou bebeu da mesma fonte ao compor o vídeo “Show Me How To Live”. Chris Cornell e companhia também não perderam a oportunidade de dar um rolê num muscle car igualzinho ao do filme.

A trilha sonora da película também merece menção. Country, rock e pop se mesclam em harmonia. Richard Sarafian, o diretor, inicialmente pretendeu incluir grande parte do álbum Motel Shot de Delaney, Bonnie & Friends. Porém, o estúdio não aceitou arcar com a grana necessária para bancar o licenciamento das faixas e uma nova seleção, contendo artistas pouco conhecidos, teve que ser escolhida. O detalhe marcante para os brasileiros, obviamente, é o fato de a faixa Freedom of Expression, do grupo The J.B. Pickers, ser a mesma utilizada na abertura do programa Globo Repórter. Pode procurar a música que você reconhecerá.

Longe de se tornar um clássico alternativo do porte de um Blade Runner, mas tão bom quanto, Vanishing Point é algo a se perpetuar.

terça-feira, agosto 25, 2009

Presente década em vídeos







segunda-feira, agosto 24, 2009

Garth Ennis e o Irish Pride

A Irlanda é um lugar insólito. Esses rapazes detêm uma fibra moral quase que moldada a ferro, fogo, suor e sangue. Desde os fajutos degredados que desembarcavam aos montes na então inacabada Nova Iorque aos duendes beberrões de hoje, os tais irlandeses formam uma casta forte e conscienciosa de suas cicatrizes. Do renomado literato James Joyce aos punks do Stiff Little Fingers.

A nação se encontra em evidência. Seus feriados tradicionais são comemorados em capitais longínquas (sim, Belo Horizonte) e o PIB da parte sul cresceu absurdamente, sendo hoje referência em exportação de softwares.

E é lá nesse caldeirão faiscante que nasce um particular tipo inesquecível, o principal modelador do caráter de alguns aficionados da arte seqüencial e enfant terrible da indústria dos quadrinhos, o roteirista Garth Ennis. Belfast deu vida a esse sujeito em 1970, e desde então é brindada com obras e mais obras de sórdido humor. Nota-se, ao ler suas publicações, que, além de escritor, o norte-irlandês é um pesquisador compulsivo, praticamente um predador literário do Ulster.

A principal obra de Garth é Preacher, uma saga delirante envolvendo figuras cotidianas como um pastor possuído, um vampiro malandro (não por caso, irlandês) e pedófilos em massa. Despejando o tão amaldiçoado humor negro durante toda a sua vida, Garth acabou por se constituir em um baluarte dos pessimistas do globo, até para os que não o conhecem.

Nunca troquei e-mails com Ennis, e provavelmente nunca esbarrarei com ele em alguma viela. Mas, se, em uma parada de metrô, eu trombasse e derrubasse o cidadão, ficaria bastante agradecido em ouvir um “fucking wanka” vindo daquele marginal das letras, cores e formas.

sábado, agosto 22, 2009

Elton John e a esquecida arte de fazer concessões

Elton John gravou uma música para o Alice in Chains, mais especificamente dedicada ao ex-vocalista do conjunto, o falecido Layne Staley. A canção se chama “Black Gives Way to Blue" e estará no disco novo da banda, a ser lançado – oficialmente – em 29 de setembro. Mas não foi extensamente negociado. Elton simplesmente apareceu no estúdio e pediu para conversar com a banda.

O cantor inglês é um homem ocupado. São quarenta e cinco anos de carreira, que lhe renderam vinte e nove álbuns de estúdio. Ele já lançou três outros discos de inéditas nos últimos oito anos. A discografia completa dele, contendo também singles, compilações e eps, é daquelas que, de tão grandes, merecem um artigo próprio na Wikipédia. Na presente década, ele emplacou parcerias com o The Killers e Joss Stone. E até, err, com os Backstreet Boys, em 2000.

Já o Alice in Chains nasceu em Seattle, junto com Pearl Jam e Nirvana, aquela banda que era liderada por você-sabe-quem. Apesar de serem bandas contemporâneas de rock, da mesma cidade, o grupo nunca conseguiu (se é que tentou) ser tão conhecido quanto as duas últimas, além de ter uma pegada diferente, mais metaleira, com letras mais próximas do abismo. Teve o disco Dirt, de 1992, aclamado pela crítica roqueira mundial, mas suas canções nunca foram tão tocadas quanto as contidas em Ten ou Nevermind. Uma rápida pesquisa no google nos revela que tiveram apenas um single no ponto mais alto do pódio, No Excuses, de 1993. Gravaram um disco acústico da MTV, que passou longe da reverberação que suscitou o disco homônimo da banda de Kurt Cobain, apesar de tão qualificado quanto. No entanto, Sir Elton nunca se interessou pelo PJ ou pelo Nirvana a ponto de comparecer, meio que de supetão, aos estúdios dessas, né?

A questão é: Elton John fez valer uma brecha em sua agenda, constantemente ocupada (vide discografia), solicitou o fiel escudeiro Bernie Taupin e foi se encontrar com um grupo reconhecido (mas nem tanto), que vive a polêmica (mas nem tanta) de ressurgir com um novo vocalista, William Duvall (quem?), dono de uma banda punk (definitivamente desconhecida) de Atlanta e suplantar a figura mítica (sim!) do antigo frontman, Staley, que teve morte digna de rockstar de Seattle, ao sofrer uma overdose de heroína, em 2002.

Não adianta você negar ao seu filho ou ao seu irmão menor aqueles trinta minutos diários e fraternais de futebol sem regras, alegando “muito trabalho para fazer”, “compromissos inadiáveis”, “estafa”. Com notícias e fatos pululando de todos os meios possíveis, ele saberá que até Sir Elton John, do alto de seus sessenta e dois anos de (alguns?) excessos e, em meio a incontáveis obrigações da joie de vivre de um popstar, conseguiu algum tempo pra uns sujeitos mal vestidos de Washington.