terça-feira, outubro 27, 2009

Fingindo que me importo com o mundo

Um dos mais dignitários amigos da raça humana, Mahmoud Ahmadinejad, já ameaçou, por mais de uma vez, riscar Israel do mapa (eufemismo para "explodir a porra toda"). Para o primeiro-ministro iraniano, o estado é uma farsa, mesmo que tenha sido instituído em 1948, oito anos antes do nascimento do mesmo Ahmadinejad.

O que eu suponho que ele finja não saber é que Ciro II, "O Grande", principal líder (e homicida, como não poderia deixar de ser) do antes gigantesco Império Persa e especialista na execução de avôs, liberou os judeus do domínio babilônico em 539 A.C., conduzindo-os de volta a Jerusalém. Obviamente que Ciro não foi tomado por um súbito intinto paternal. Ele apenas queria ter aliados na Palestina. Essa mencionada Jerusalém é, obviamente, a mesma Jerusalém dos dias de hoje, capital do estado israelense unificado. E o Irã é a atual Pérsia.

Então eu, humildemente, pergunto: e aí, os filhos devem sempre herdar as decisões dos pais?

segunda-feira, outubro 26, 2009

John Peel, o pai de todos os gostos

Qual é profissão mais glamourosa do mundo? E qual é a que bota mais dinheiro (e gatas) na mão do caboclo? Rockstar? Jogador de basquete? De futebol? De rúgbi, o mais novo hype no mundo dos atletas? Administrador de empresas? Hmm, ou talvez você, no cantinho mais recôndito do seu coração, espera (ou esperava) ser o novo Marlon Brando? Você pode ter escolhido todas essas, mas o seu vizinho muito provavelmente queria (ou quer) ser um dj renomado.

Grandes djs do mundo atual detêm tanta fama quanto determinados jogadores de futebol. As revistas dedicadas a eles se multiplicam dia após dia. A respeitada DJ Mag ganhou até versão brasileira e as raves comandadas pelo Fatboy Slim arrastam tudo quanto é tipo de gente pra tudo quanto é tipo de canto do mundo. Tiësto é tão conhecido quanto Zidane. Ibiza, a ilha espanhola situada ao leste do país, é um point de férias tão desejado quanto Fernando de Noronha. Grande barato esse negócio de arranhar discos e piscar pra plateia, né? Pois é.

O que pouca gente sabe é que você não precisa ser um virtuose das pick ups para ser considerado um dj. As origens da palavra remontam ao locutor que selecionava gravações e as transmitia ao público, através da simples radiofusão. O primeiro djstar da historia é Martin Block, que nos anos 30 (antes mesmo da invenção do Rock n’ Roll) se aproveitava de intervalos na programação jornalística de sua rádio nova-iorquina (a WNEW) e soltava diversas gravações entre os boletins. Ou seja, você não precisa ser um fritador de teclas para se tornar um disc-joquei. Afirmar isso é tipo dizer que todo guitarrista precisa ser o Steve Vai.

O mais valioso desses djs primitivos é John Peel, inglês, torcedor do Liverpool FC e freak desde a adolescência. Sua morte completou 5 anos em 25 de outubro. Era um fanático pelo futebol (aquele com bola, não aquele que os outros se derrubam com capacetes), esporte considerado muito suburbano para a escola almofadinha onde ele estudava. Ele foi requisitado pelo exército nacional aos 18 anos e ficou lá por 2. Quando voltou, caiu fora de Liverpool e se mandou pra tal da terra das oportunidades, em 1960. O Rock já havia nascido e causava apoplexia entre pais preocupados e filhos eufóricos. John aportou em Texas e tratou logo de arrumar um emprego no rádio.

A beatlemania engolia a tudo e a todos em 1963 e todo mundo nos Estados Unidos e no resto do mundo queria ser inglês – mais ou menos como nos dias de hoje. Peel, além de inglês, era de Liverpool, o que facilitou consideravelmente as suas pretensões como profissional de radiofusão. Naquela época ele ainda era John Ravenscroft. Considerando o nome longo demais para qualquer americano médio se lembrar, em 1967 ele adotou o tal “Peel”, sugerido por um funcionário de outra rádio.



Antes, 1965, com 26 anos, ele se casou com Shirley Anne Milburn, que tinha apenas 15. O matrimônio se revelou um cataclísmico erro para ambos e John pouco falou sobre a relação publicamente. O divórcio veio em 1973 e mais tarde ela cometeu suicídio. Mais tarde ele também admitiu ter sido vítima de abuso sexual, quando ainda freqüentava a escola.

Mas voltemos a 1967. Esse é, provavelmente, o melhor ano da história do Rock. Os Stones lançaram Their Satanic Majesties Request, bem aquém de suas possibilidades, mas Jimi Hendrix apresentou ao mundo Jimi Hendrix Experience, enquanto os Beatles retrucavam com Sgt Pepper’s e o Velvet Underground e Captain Beefheart humildemente divulgavam seus debuts, só pra citar alguns.

A porra-louquice inerente a Peel chegou ao auge no mesmo ano, quando ele e um dos seus amigos se passaram por repórteres do periódico Liverpool Echo e cobriram o assassinato de John F. Kennedy. Se apresentavam como funcionários do jornal e chegaram mesmo a participar da última conferência de Lee Harvey Oswald antes da execução do mesmo. Seus progressos como radialista também se tornaram claros em 67, quando ele assumiu o programa The Perfumed Garden (nome inspirado no livro), transmitido por uma rádio de Londres, chamada simplesmente Radio London. Nesse insano programa, Peel se recusava a lançar mão de hits fáceis, preferindo investir no underground musical (seria ele o progenitor desconhecido dos indies de hoje?) e tocar discos inteiros, atitude considerada bizarra até hoje. Alguns artistas que figuravam eram o (já citado) Captain Beefheart e os ingleses do T-Rex. A Radio London fechou pouco depois, mas o estrago estava feito. Finalmente ele adentrava os (bem mais equipados) estúdios da BBC, onde trabalhou até a morte.

No Top Gear, o novo programa, ele adquiriu o hábito de trazer alguns artistas que concediam performances ao vivo, sessões essas cuidadosamente preservadas para a posteridade. As bandas convidadas variavam em estilo musical, cor de pele dos integrantes e status de popularidade. Ou seja, em tudo. Teve espaço pra (quase) todo mundo, desde gente do mainstream, como AC/DC, até pra duos obscuros como o eletrônico Autechre, passando pelo grindcore vulcânico de um Carcass. Mesmo cercado por todo esse oceano infindável de notas e canções, Peel só viria a descobrir a sua música favorita apenas em 1978. Era Teenage Kicks, dos irlandeses do grupo punk Undertones. Ele não era um fã do rock progressivo dominante na primeira metade da década, e o surgimento do punk rock foi recebido de braços e mente aberta pelo dj. Teenage Kicks era uma das faixas que o levavam inevitavelmente as lágrimas, segundo o próprio. E mais tarde ela figurou orgulhosa na trilha sonora do funeral de John Ravenscroft.

John Peel também não se entrincheirava entre gêneros convencionais. Seu gosto era essencialmente intuitivo, prevendo sucessos e desfilando gêneros pouquíssimos usuais da música mundial. Entre os artistas que ele apresentou ao seu público, constam, além do mencionado T-Rex, gente bacana como U2, Nirvana, Velvet Underground, Roxy Music, Rod Stewart, Pink Floyd, e Sex Pistols . Ele gravou uma de suas Peel Sessions com o Pulp, treze anos antes de Jarvis Cocker alcançar a fama no Reino Unido.

Sua seleção eclética municiou os ouvintes com doses precisas de reggae, hip-hop, techno, drum ‘n’ bass, synthpop, death metal e punk, de 1967 a 2004.

Como cidadão naturalmente curioso, Peel um dia descobriu que a América do Sul podia ser mais que café, drogas e algumas mulatinhas bem ajeitadas. Ele então se aproveitou de suas férias e foi visitar Cuzco, no Peru, onde morreu. Ele estava acompanhado de sua esposa Sheila e sucumbiu após um ataque cardíaco fulminante. Dentre os artistas que lamentaram sua morte, Bernard Sumner foi o mais contundente: “Nem o Joy Division e nem o New Order existiriam se não fosse por John Peel”, cravou ele. Damon Albarn, do Blur: “A memória de John nunca será esquecida, porque ele tinha o espírito da música em si”.

Até mesmo o ex primeiro-ministro britânico Tony Blair se pronunciou, lamentando a morte de “um importante radialista que descobria raros talentos”. E claro que não podia faltar um pronunciamento de Feargal Sharkey, o frontman da banda que compôs a música mais marcante da vida do radialista. Em poucas e precisas palavras, o vocalista descreveu John como “o mais importante radialista que já conhecemos”. Sharkey afirma que tudo se tornou melhor em sua vida quando o dj reproduziu a canção em 1978, no Top Gear.

Dotado da humildade que às vezes aflora em gente realmente relevante, John não se vangloriava de nada. Segundo ele, as bandas é que faziam tudo. Ele apenas era o cara que tocava os discos.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Jack White, embaixador cultural

Jack White não gosta do Guitar Hero, nem do Rock Band.

Em evento recente que também contava com a presença do guitarrista do colosso Led Zeppelin, Jimmy Page, o white stripe declarou ao New Musical Express que "é deprimente que uma marca venha e diga para você que (o "Guitar Hero") é como as crianças estão aprendendo sobre música e experimentando música". É uma pena, mas o fato de Jack minimizar uma forma de diversão tão honesta – e de achar que é um troço só pra crianças - ainda não elimina os outros fatores que o tornam um cara tão legal.

Nascido John Anthony Gills, além do famoso White Stripes, o rapaz atualmente empresta sua perícia ao Dead Weather e ao Raconteurs, bandas também formadas por ele. Ambos os projetos mantêm o burburinho que despertaram quando foram criados, o primeiro em 2005, o segundo em 2009. Todos os dois contam com os serviços do músico Jack Lawrence, baixista do Greenhornes, grupo que também alcançou alguma luz dos holofotes com a "ajuda", mesmo que involuntária, do seu brother White.

Como se não bastasse, Jack (o White) também é um competente produtor de diversos álbuns alheios, além do próprio White Stripes. Além de comandar lançamentos de bandas como Von Bondies, o sujeito chefiou a produção do excepcional álbum Van Lear Rose, da lenda country Loretta Lynn. Além de produzir, convocou parte de sua galera de Detroit para ajudar na composição, Lawrence e o baterista Patrick Keeler (Raconteurs) incluídos.

Ou seja, você pode até não gostar, mas é inegável que Jack é um baluarte da música de sua cidade. Ele não só guia algumas mesas de mixagens, mas também é responsável pela formação de vários grupos que recrutam músicos locais. Na sua cidade tem um cara desses?

E você já ouviu falar do Soledad Brothers, conjunto falecido e nativo da já citada capital de Michigan? Pois deveria. Jack também os produziu, o que revela uma inevitável tendência de se conectar ao blues. A música preferida dele é Grinnin In Your Face, canção de uma das lendas do Mississipi, o bluesman Son House. Em tempos como os nossos, onde o Timbaland domina sozinho as paradas de sucesso, nada como ter boas pessoas como White para manter queimando a chama desses gêneros musicais seminais, mas um tanto quanto esquecidos pelo mainstream.

domingo, outubro 18, 2009

Dizzee Rascal, o atual dono de Londres

A Região de Bow se situa na região noroeste de Londres e é, obviamente, dominada por torcedores do Arsenal e do Tottenham Hotspurs, os clubes de futebol que protagonizam o maior clássico esportivo da área. Todos os jogos entre ambos envolvem uma graúda dose de porradaria e mal estar, disseminando uma dor de cabeça gigantesca entre os nativos. No entanto, é improvável que algum desses hooligans atendam por uma designação tão sincera quanto rascal (patife, canalha).

Dylan Kwabena Mills recebeu o apelido quando aluno do ensino médio em uma escola pública de Bow, uma das quatro instituições que expulsaram o moleque durante um número igual de anos. Além da periculosidade estudantil inata, Dylan mantinha no currículo algumas habilidades úteis que incluíam puxar carros e sair na mão com professores em geral. Tudo se encaminhava para o previsível fim, que pavimentava o caminho de mais um moleque negro sendo assassinado por versões britânicas do Capital Nascimento.

Numa reviravolta digna de um dos melhores trabalhos de Frank Capra, Dizzee começou a compor utilizando-se de um computador da escola – sendo que música foi a única matéria onde ele conseguiu sobreviver, tendo sido impiedosamente chutado de todas as outras. Sua mãe (que se tornara viúva ainda na infância de Rascal) tratou logo de comprar os outros equipamentos necessários, o que capacitou Dizzee a se tornar um dj amador, ocupação essa tão disseminada e cobiçada na presente década. Aos 16 ele produziu seu primeiro single, o hit independente I Luv U. Na música, estão presentes todos os maneirismos aprendidos por ele em sua curta vida de delinqüência, como a letra que descreve uma garota chantagista que se apóia em uma gravidez indesejada. Essa pequena bolacha serviu para apresentar o estilo pioneiro de Dizzee e seus trutas, que se apresenta com o nome de grime (ritmo popular de Londres, uma mistura de hip-hop, dancehall e drum ‘n’ bass). A partir daí, foram três disquinhos de ouro e uma platina.

Inicialmente ancorada no tal grime, obscuro, cheio de samples com linhas guturais de baixo, a carreira de Dizzee foi se desanuviando tal como a sua mente, digamos assim. As letras mal-humoradas do começo foram dado espaço a um hip-hop mais festeiro, arquitetado por ases da música eletrônica mundial. Algo como o Mantronix de 2009, com uma produção digna de 2009. É aí que entra “Tongue N' Cheek”, álbum lançado no fim de setembro. O abandono das raízes grime do início foi anunciado por ele mesmo. Dizzee agora queria algo mais pop, e recrutou os hypados djs Calvin Harris e Armand Van Helden para produzir o troço. Até tênis baseado no disco saiu!

E o resultado é estupendo. Times, Guardian, NME, Pitchfork (e eu, né?), todo mundo elogiou o disco. A mistura bem dosada de música house, hip-hop e produtores calibrados, tudo isso ajudou a alicerçar um dos melhores lançamentos do ano. E peço desculpas pelo superlativo manjado.

Em menos de um mês desde a liberação oficial do disco e em meio à época onde só doidos compram cds, Rascal já levou uma platina. Três singles do disco alcançaram o primeiro lugar na Inglaterra. Ele emplacou colaborações com figuras tão díspares como Alex Turner, Lily Allen e Chrome. É o novo rei de Londres, ao menos até segunda ordem.

Com exceção de Chillin' wiv da Man Dem e Leisure, r & b’s mais contidos, todas as faixas de Tongue N’ Check podem, tranquilamente, ocupar sets de djs de quase todos os clubes noturnos do planeta. Não importa se você é um rocker preconceituoso ou algum nostálgico que defende a interdição da prática de fazer música. Experimente ouvir Dirtee Cash e Bonkers - onde o jovem Dylan Mills esclarece que ele não é bonkers (doido), mas sim free (livre) - e tente se manter indiferente.

E, mesmo de má vontade, admito que até a faixa produzida pelo famigerado Tiësto, o rei (e culpado pelo vírus ) do trance mundial, é foda. Tenso.

quinta-feira, outubro 15, 2009

domingo, outubro 11, 2009

Minha intenção com esse blog ridículo é falar de tudo. Ficou estiloso o ETA ali em cima do Messi com o Leandro, né? Pois é. Então, vai lá mais uma desocupação pouco inspirada:


E o emo, ficou pra quem?

Ian Thomas Garner MacKaye é um simpático senhor calvo de 47 anos, completados em abril. Na ativa desde os 17, ele é o responsável por trazer à vida algumas bandas bem respeitadas por um bom número de gente, além da gravadora Dischord Records. Ele formou o Minor Threat, a principal banda hardcore straight edge da história e o Fugazi, que é uma dessas bandas que, mesmo que desconhecidas pelo público em geral (o seu vizinho fã do Nickelback provavelmente não conhece e provavelmente não vai gostar), são defendidas com galhardia ímpar por seus fãs. O Fugazi visitou o Brasil e 1998 e se encontra em hiato desde 2002.

Outra notória criação de MacKaye é o Embrace, quarteto de Washington que existiu durante apenas um (produtivo) ano, entre 1985 e 1986. Apenas um álbum foi lançado pelo grupo, auto-intitulado. Uma das canções do disco se chama Dance of Days, o que instantaneamente ativará em alguns uma conexão instantânea com outro coletivo musical, ainda vivo. Mas isso é assunto para outra hora.

Ian MacKaye levou um tremendo susto em 1986. Ao abrir uma das edições da revista americana Thrasher, especializada em cultura skateboard e que também abre espaço para resenhas musicais, o carequinha boa-praça leu no periódico que o Embrace fazia um som que poderia ser alcunhado de Emocore (Emotional Hardcore). Não só o Embrace, mas também outros grupos conterrâneos e contemporâneos, como o Rites Of Spring (cujo dono, Guy Picciotto, se tornaria um membro do Fugazi) e o Beefeater. Como não poderia deixar de ser, MacKaye se pronunciou em um show, onde dizia que “Emocore é a coisa mais estúpida” que ele já tinha lido e que “Hardcore já era ‘emocional’, pra começar”. O vídeo se encontra no youtube. Corre lá: http://www.youtube.com/watch?v=mbdh0Qm_5A0 .

O Hardcore existe desde o fim da década de 70. Sempre se notabilizou por um som rascante, de pouca duração, uma variação ainda mais intempestiva do Punk Rock. Alguns dos inventores são o Black Flag, o Dead Kennedys, o Bad Brains e o já mencionado Minor Threat. O Black Flag e o Dead Kennedys se caracterizavam pelo humor negro no lirismo. “Olhe o que você fez com os seus braços. [...] Você nunca foi a garota dos sonhos, mas agora você está pior que antes”, berrava Henry Rollins, do Black Flag. Já Jello Biafra, do Kennedys, preferia musicar (ironicamente, of course, confrades) o seu apreço por dar cabo de criancinhas, e que a sua era a próxima. O Minor Threat estendia a bandeira do não uso de drogas. O Discharge e tantas outras se utilizavam de suas composições para se concentrar na expressão de suas convicções políticas. Os tópicos mais afeitos aos sentimentos humanos abordados por gente como o Embrace e o Rites Of Spring, juntando-se ao andamento mais lento e introspectivo das canções e ao termo (emo) de origem nebulosa, foram a deixa para a Thrasher e outras publicações e críticos começarem a bradar sobre o tal “Emocore” aos quatro pontos cardeais, nos anos 80.

A nova nomenclatura, porém, se manteve nos guetos musicais durante um longo tempo. Foi resgatado, sabe-se lá como, exatamente, com a chegada do século XXI. Bandas como Good Charlotte e Dashboard Confessional, que se utilizam da fórmula “pop punk + letras sentimentais” fizeram retornar à baila a denominação usada uma década e meia atrás pela Thrasher. Só que agora o termo não mais se restringia à parte puramente musical da coisa. Se tornou uma extensão de comportamento. “Ser emo” era uma definição tão válida quanto “ser taciturno” ou “ser histérico”. Se você deixava vazar a informação de que tinha vertido algumas lágrimas durante a projeção de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, você era emo. Se você tropeçava em público, você era emo. Se você tinha uma mp3 do Simple Plan, você era emo. E fim de conversa. Ao mesmo tempo em que se tornou uma vertente comportamental, o renascimento do nome trouxe consigo toda uma nova forma de vestuário. Franjas, Hello Kitty, acessórios com bolinhas. Era tudo emo.

Canais major de televisão, como a Rede Globo e o SBT, dedicaram matérias caprichadas ao tema, tudo em horário nobre, nada de reprise na madrugada. Rodolfo (aquele que andava com o ET, tão ligados?) chegou mesmo a levar um safanão de um suposto punk, ao se fantasiar de garoto emo para uma reportagem, nos arredores da galeria do rock paulista. Bandas brasileiras que explodiram recentemente, como Fresno e NX Zero, também foram introduzidas no grande e acolhedor saco chamado Emotional Hardcore. No entanto, tanto eles como a nova geração de bandas gringas fugiam/fogem do “rótulo” como lesmas da saleira. Ninguém nunca teve a coragem (?) de tomar pra si a classificação, que rendeu e ainda rende dividendos e mais dividendos de grana preta. De Ian Mackaye a Diego Ferrero, todo mundo fugiu com vigor impressionante do filho inglório.

Por isso, refaço: o emo, produto rentável, ficou pra quem? Morreu incrustado nos cintos de rebite?

Ou está hibernando por mais quinze anos pro “re-retorno” triunfal?

quinta-feira, outubro 08, 2009

Um filme aleatório

Billy The Kid, nascido Henry McCarty, é uma das figuras mais populares da história dos Estados Unidos. É figura certeira na primeira fila da árvore genealógica dos mitos norte-americanos, compartilhando o mesmo nível de Al Capone, John Dillinger e outros, para ficar só nos desobedientes à lei. Tendo vivido apenas vinte e um anos e alguns meses, se tornou uma referência em termos de bandidagem raramente vista até então, e mesmo desde então. Seu campo de atuação não se restringia apenas à nação estadunidense, mas também era figura tarimbada no México. Sua primeira prisão foi aos 14 anos, problema prontamente contornado por ele, ao fugir para o deserto mexicano e dar prosseguimento à sua jornada de punguista. Cometeu seu primeiro homicídio aos 17. Ele influenciou não só toda a cultura western, mas serviu de inspiração para obras magistrais de quadrinhos, como Tex.

Paul Newman ainda não era um astro em maio de 1958. Um de seus filmes de 1956, Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), havia alcançado a difícil tarefa de cair no gosto de público e crítica, atraindo alguns olhos para o até então desconhecido ator, mesmo que alguns desses olhares pudessem ter existido apenas pelo ofuscante brilho azul que saltava dos olhos do iminente galã. Marcado pela Sarjeta, em que Newman interpreta o boxeador Rocky Graziano, havia servido para consertar a auto-estima do ator, que havia sofrido um potente cruzado de direita com o fiasco de 1954 chamado Cálice Sagrado (The Silver Chalice), que, de tão ruim, obrigou o ator a publicar um anúncio de página inteira em um jornal de Los Angeles, desculpando-se pela risível atuação. Após as boas resenhas de Marcado pela Sarjeta, Newman era uma estrela ascendente, que se consolidaria em setembro de 1958, com o lançamento do clássico Gata em Teto de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof), dividindo atenções com a (ainda) exuberante Liz Taylor e sendo indicado pela primeira vez ao Oscar. Antes do estouro deste, no entanto, Paul filmou uma jóia pouco conhecida, comandada por outra figura em início de carreira cinematográfica, o diretor Arthur Penn.

A mais famosa adaptação da história de vida do pistoleiro Billy The Kid é, muito provavelmente, Pat Garrett & Billy The Kid, de 1973, do estupendo diretor Sam Peckinpah. Até por conta da trilha e participação cênica de Bob Dylan no filme, o que acabou obscurecendo Um De Nós Morrerá, que já não era a mais lembrada das obras cinematográficas, nem mesmo dentro das filmografias de Penn e Newman. Arthur Penn era um elogiado diretor de dramas televisivos, de 35 anos. Ele concebeu o roteiro de Um De Nós Morrerá junto com Leslie Stevens, e, inicialmente, os dois tencionavam entregar o papel ao ícone James Dean, que morrera em 1955. Coube a Paul Newman interpretar essa nova encarnação do lendário fora-da-lei, figura tão carismática e conhecida em solo americano quanto qualquer um dos Kennedys. Na versão de Penn, o criminoso ainda não era conhecido pelo apelido. Era William Bonney, jovem forasteiro que aparece na fazenda do rico proprietário de terras Tunstall (conhecido como “O Inglês”), afirmando estar vagando desde Kansas até aparecer no Condado de Lincoln, no atual estado de Novo México, procurando qualquer tipo de trabalho para matar a fome. Ele é pouco instruído, mas Tunstall confia no rapaz e o emprega. A fama do recém-chegado já não é das melhores, com um dos empregados espalhando uma história de um possível assassinato de Bonney já aos 11 anos de idade, que teria sido cometido no Texas.

Ainda assim, o proprietário simpatiza com o garoto e até começa a ensiná-lo a ler, mas é assassinado pouco depois por um fazendeiro rival, o que instiga ainda mais o instinto sanguinário do jovem Bonney, já naturalmente incendiário. Ele se une a dois capangas, também empregados d’O Inglês, e parte em busca de vingança contra os homens que assassinaram o homem que o acolheu de tão bom grado. Não demora muito para que os cartazes de “Procurado”, existentes em todo o condado, comecem a estampar o nome do rapaz, que, com suas peripécias ilegais, enfim se tornara Billy The Kid. O típico sotaque sulista está sempre presente em todo o filme, e ainda há passagens condizentes com a história real do fora-da-lei, como os primeiros encontros com Pat Garrett, o xerife que vai se tornando descontente com os novos rumos que Billy decidiu seguir e se torna o seu principal antagonista. O título original, Left Handed Gun, se refere à crença de que William era um canhoto e utilizava a mão esquerda para mandar os seus inimigos ao “mais profundo dos infernos”, como ele mesmo diria.

Um De Nós Morrerá foi lançado em maio de 1958, quatro meses antes de Gata do Teto de Zinco Quente, que consagrou definitivamente Paul Newman como figura importante em Hollywood. Os outros atores são ainda mais desconhecidos, portanto, não há astros na película. Talvez por isso não há tantos closes. Penn prefere enquadrar os atores de corpo inteiro ou de longe. Em noventa e oito minutos, acompanhamos as mudanças de humor de Bill Bonney, da arredia presença do começo até o rapaz amargurado e repleto de dúvidas que vai aos poucos suprimindo o personagem anterior. A atuação do protagonista é firme e nos confere a credibilidade necessária para levar em conta a abordagem atípica do diretor, sugerindo novas facetas psicológicas ao notório pistoleiro. Penn não nega que William Bonney é um bandido, e dos mais periculosos. Mas ele sugere algo mais.

Na presente década, tão distante do século XIX que deu luz ao criminoso, você, munido apenas da corriqueira internet e de alguma curiosidade um pouco acima da média, tem acesso fácil ao filme em questão, que é conhecido apenas por alguns cinéfilos dedicados e espalhados pelo mundo. A obra ainda foi engolida pelo sucesso esmagador e subseqüente de Paul Newman e de Penn, que dirigiu, dentre outros, Bonnie & Clyde (com Warren Beaty e Faye Dunaway) em 1967, conseguindo, enfim, ganhar (muito) dinheiro com cinema.

terça-feira, outubro 06, 2009

A música e o crime
Ligações perigosas

Sharon Lawrence, biógrafa e amiga do falecido James Marshall Hendrix, relata na sua biografia do mais adorado dos guitarristas da história de todo o Rock ‘n’ Roll: “Em fevereiro de 1967, a polícia de Sussex fizera uma batida na casa de Keith Richards e encontrara, segundo relataram, ‘várias substâncias de natureza suspeita’. Mick Jagger foi acusado da posse de quatro pequenas pílulas redondas encontradas no bolso de uma jaqueta que na verdade eram de Mariane Faithfull, namorada dele na época. [...] Eles foram levados a julgamento no final de junho. O juiz condenou Jagger a um ano de prisão e a pagar uma multa de 500 libras. A sentença de Richards foi mais branda: três meses de prisão e multa de 100 libras. [...] – Mick me disse que chorou ao ouvir a sentença no tribunal – falou Jimi Hendrix – Ele e Keith estavam com um medo terrível.” (Lawrence, Sharon, 2005, p. 166)

A criminalidade povoa a humanidade desde o mais remoto dos tempos. Não só pelo instinto homicida demonstrado por alguns expoentes do genocídio, de seitas insanas ou de assassinatos em série. Não só por exemplos como Nero, o piromaníaco (e suposto artista) de Roma, Genghis Khan, o conquistador da China ou Adolf Hitler, o mais notório dos eliminadores da espécie humana. Músicos proeminentes em geral também flertam, em constância assustadora, com o lado mais malvisto dos valores humanos.

Tanto Jagger quanto Richards, no incidente relatado por Sharon, não cumpriram, de fato, a estadia na prisão, mas a mancha no currículo moral já era irreversível. O próprio Hendrix lidou com um processo semelhante pouco tempo depois, sendo absolvido, após estressantes e humilhantes julgamentos de conduta. O alívio do guitarrista foi ser inocentado em duas frentes, tanto os julgamentos oficiais, presididos por uma corte e um júri, quanto aquele outro julgamento mais visceral, conduzido pelo olhar crítico da sociedade e que pode acabar por ser de vigência vitalícia.

Quando os poderosos tentáculos da lei alcançam figuras proeminentes do circuito musical, não atingem apenas os roqueiros. Acabam por abraçar também envolvidos com um tipo de música, digamos, mais “acadêmico”. Thelonious Monk, um dos fundadores do jazz bebop, foi acusado em 1951 de posse de narcóticos, que foram encontrados após uma revista em seu carro. As drogas pertenciam a um amigo de Monk, outro influente pianista do bop, Bud Powell. Mas, ainda sim, Thelonious teve cassada a sua licença de se apresentar em Nova Iorque, tendo perdido na década de 50 diversas oportunidades de realizar concertos na cidade, vizinha do berço explêndido de todos as subdivisões mais influentes do Jazz, Nova Orleans. Bud já havia tido problemas suficientes com policiais, sendo espancado em um incidente no ano de 1945, época do auge do bop. Em 1947, foi internado num hospital psiquiátrico, onde teve o cérebro permanentemente danificado por eletrochoques.

Merle Haggard, lenda ainda viva da música country (e cujo disco I'm a Lonesome Fugitive deveria ser ouvido por qualquer um) se encontrou no xilindró em 1957, após uma patética tentativa de assaltar uma taverna em Bakersfield, Califórnia, para tentar saldar algumas dívidas. Ele foi enviado a San Quentin por três anos, famoso presídio que chegou a receber apresentações de outro gigante do country, Johnny Cash, o homem de preto. Cash só não cumpriu ele mesmo alguns anos em San Quentin por aquilo que algumas culturas chamam de sorte, pois se tratava de notório e compulsivo consumidor de barbitúricos. E suas versões para canções de lirismo explícito que abordavam o crime e drogas em geral (“I took a shot of cocaine and I shot my woman down”) também saíram ilesas, no fim das contas

Por falar em lirismo, a língua inglesa sempre se diluiu em alguns muitos dialetos, para desespero de alguns acadêmicos. Em Londres temos o cockney e em Liverpool temos o scouse, ambos devidamente incomprensíveis para quem ainda está no estudo do verbo to be. Já aos estadunidenses sobra o eye dialect, sendo que esse foi usado com freqüência por escribas clássicos como Mark Twain e William Faulkner. Nessa particular subdivisão da língua anglo-saxônica, o objetivo é se utilizar de uma soletração diferente para chamar a atenção para a pronúncia. Daí, “killer” se torna “killa”, e “gangster” se torna “gangsta”.

Foi a partir dessa contração pouco convencional que se originou a nomenclatura do famigerado Gangsta Rap, subclasse (mais) violenta do lirismo rap. O gênero nasceu nos 80, tendo como alguns expoentes os rappers Ice T e Schooly D. É alvo fácil de críticas de religiosos e defensores da moral, que os acusam de promover a apologia ao crime como forma de vida. Alguns dos artistas identificados pelo estilo cometeram, de fato, obstruções conta a lei. Alguns exemplos incluem o falecido Tupac Shakur e Snoop Dogg, ambos com passagens pelo xilindró. Tupac recebeu discos de ouro na cadeia, por seu álbum Me Against The World. Ele cumpria prisão por abuso sexual.

Os exemplos não ficam apenas no mainstream. Bertrand Cantat, vocalista da banda francesa de rock alternativo Noir Désir, cumpre pena, atualmente em liberdade condicional, por ter assassinato a namorada utilizando-se apenas de suas mãos nuas. Como não poderia deixar de ser, o vice-versa aconteceu. Felix Pappalardi, do Mountain, foi assassinado por sua própria esposa. As ocorrências criminais envolvendo músicos são múltiplas, envolvendo milhares de delitos diversos, e inundariam todo o banco de dados desse blog.

E alguns deles parecem nem se importar muito. Afinal, como é mesmo um dos ditos mais conhecidos de Keith Richards? “Nunca tive problemas com drogas, só com a polícia”.

sexta-feira, outubro 02, 2009

They shoot horses, don't they?

Confesso que me interesso pela história de alguns movimentos armados. E o ETA faz 50 anos em 2009. A sigla significa Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) e o lema do grupo é Bietan jarrai, que significa "Seguir nas Duas". As duas, no caso, são as lutas militar e a política.

Como qualquer estudante primário de história sabe, o ETA luta pela independência total do País Basco, que compreende alguns territórios situados no noroeste da Espanha e no sul da França. Com o Tratado de Guernica, em 1979, a região adquiriu autonomia e parlamento próprios, mas para o grupo, considerado terrorista pela maioria dos países que mandam no mundo, isso não é suficiente.

As ações da organização assassinaram cerca de 800 pessoas, um pouco menos que outro exército de libertação igualmente famoso, o IRA. Chegaram mesmo a assassinar um primeiro-ministro, Carreiro Blanco, ao adornarem o carro oficial do governista com uma bomba, em 73. A região abriga também um famoso clube de futebol, Athletic Club de Bilbao, que só aceita jogadores nascidos ou criados no território basco.

O ETA afirmou ter deposto as suas armas em 2006, mas o seu próprio lema parecia duvidar. E em 2007 eles estavam de volta. Aguardem notícias.