segunda-feira, outubro 26, 2009

John Peel, o pai de todos os gostos

Qual é profissão mais glamourosa do mundo? E qual é a que bota mais dinheiro (e gatas) na mão do caboclo? Rockstar? Jogador de basquete? De futebol? De rúgbi, o mais novo hype no mundo dos atletas? Administrador de empresas? Hmm, ou talvez você, no cantinho mais recôndito do seu coração, espera (ou esperava) ser o novo Marlon Brando? Você pode ter escolhido todas essas, mas o seu vizinho muito provavelmente queria (ou quer) ser um dj renomado.

Grandes djs do mundo atual detêm tanta fama quanto determinados jogadores de futebol. As revistas dedicadas a eles se multiplicam dia após dia. A respeitada DJ Mag ganhou até versão brasileira e as raves comandadas pelo Fatboy Slim arrastam tudo quanto é tipo de gente pra tudo quanto é tipo de canto do mundo. Tiësto é tão conhecido quanto Zidane. Ibiza, a ilha espanhola situada ao leste do país, é um point de férias tão desejado quanto Fernando de Noronha. Grande barato esse negócio de arranhar discos e piscar pra plateia, né? Pois é.

O que pouca gente sabe é que você não precisa ser um virtuose das pick ups para ser considerado um dj. As origens da palavra remontam ao locutor que selecionava gravações e as transmitia ao público, através da simples radiofusão. O primeiro djstar da historia é Martin Block, que nos anos 30 (antes mesmo da invenção do Rock n’ Roll) se aproveitava de intervalos na programação jornalística de sua rádio nova-iorquina (a WNEW) e soltava diversas gravações entre os boletins. Ou seja, você não precisa ser um fritador de teclas para se tornar um disc-joquei. Afirmar isso é tipo dizer que todo guitarrista precisa ser o Steve Vai.

O mais valioso desses djs primitivos é John Peel, inglês, torcedor do Liverpool FC e freak desde a adolescência. Sua morte completou 5 anos em 25 de outubro. Era um fanático pelo futebol (aquele com bola, não aquele que os outros se derrubam com capacetes), esporte considerado muito suburbano para a escola almofadinha onde ele estudava. Ele foi requisitado pelo exército nacional aos 18 anos e ficou lá por 2. Quando voltou, caiu fora de Liverpool e se mandou pra tal da terra das oportunidades, em 1960. O Rock já havia nascido e causava apoplexia entre pais preocupados e filhos eufóricos. John aportou em Texas e tratou logo de arrumar um emprego no rádio.

A beatlemania engolia a tudo e a todos em 1963 e todo mundo nos Estados Unidos e no resto do mundo queria ser inglês – mais ou menos como nos dias de hoje. Peel, além de inglês, era de Liverpool, o que facilitou consideravelmente as suas pretensões como profissional de radiofusão. Naquela época ele ainda era John Ravenscroft. Considerando o nome longo demais para qualquer americano médio se lembrar, em 1967 ele adotou o tal “Peel”, sugerido por um funcionário de outra rádio.



Antes, 1965, com 26 anos, ele se casou com Shirley Anne Milburn, que tinha apenas 15. O matrimônio se revelou um cataclísmico erro para ambos e John pouco falou sobre a relação publicamente. O divórcio veio em 1973 e mais tarde ela cometeu suicídio. Mais tarde ele também admitiu ter sido vítima de abuso sexual, quando ainda freqüentava a escola.

Mas voltemos a 1967. Esse é, provavelmente, o melhor ano da história do Rock. Os Stones lançaram Their Satanic Majesties Request, bem aquém de suas possibilidades, mas Jimi Hendrix apresentou ao mundo Jimi Hendrix Experience, enquanto os Beatles retrucavam com Sgt Pepper’s e o Velvet Underground e Captain Beefheart humildemente divulgavam seus debuts, só pra citar alguns.

A porra-louquice inerente a Peel chegou ao auge no mesmo ano, quando ele e um dos seus amigos se passaram por repórteres do periódico Liverpool Echo e cobriram o assassinato de John F. Kennedy. Se apresentavam como funcionários do jornal e chegaram mesmo a participar da última conferência de Lee Harvey Oswald antes da execução do mesmo. Seus progressos como radialista também se tornaram claros em 67, quando ele assumiu o programa The Perfumed Garden (nome inspirado no livro), transmitido por uma rádio de Londres, chamada simplesmente Radio London. Nesse insano programa, Peel se recusava a lançar mão de hits fáceis, preferindo investir no underground musical (seria ele o progenitor desconhecido dos indies de hoje?) e tocar discos inteiros, atitude considerada bizarra até hoje. Alguns artistas que figuravam eram o (já citado) Captain Beefheart e os ingleses do T-Rex. A Radio London fechou pouco depois, mas o estrago estava feito. Finalmente ele adentrava os (bem mais equipados) estúdios da BBC, onde trabalhou até a morte.

No Top Gear, o novo programa, ele adquiriu o hábito de trazer alguns artistas que concediam performances ao vivo, sessões essas cuidadosamente preservadas para a posteridade. As bandas convidadas variavam em estilo musical, cor de pele dos integrantes e status de popularidade. Ou seja, em tudo. Teve espaço pra (quase) todo mundo, desde gente do mainstream, como AC/DC, até pra duos obscuros como o eletrônico Autechre, passando pelo grindcore vulcânico de um Carcass. Mesmo cercado por todo esse oceano infindável de notas e canções, Peel só viria a descobrir a sua música favorita apenas em 1978. Era Teenage Kicks, dos irlandeses do grupo punk Undertones. Ele não era um fã do rock progressivo dominante na primeira metade da década, e o surgimento do punk rock foi recebido de braços e mente aberta pelo dj. Teenage Kicks era uma das faixas que o levavam inevitavelmente as lágrimas, segundo o próprio. E mais tarde ela figurou orgulhosa na trilha sonora do funeral de John Ravenscroft.

John Peel também não se entrincheirava entre gêneros convencionais. Seu gosto era essencialmente intuitivo, prevendo sucessos e desfilando gêneros pouquíssimos usuais da música mundial. Entre os artistas que ele apresentou ao seu público, constam, além do mencionado T-Rex, gente bacana como U2, Nirvana, Velvet Underground, Roxy Music, Rod Stewart, Pink Floyd, e Sex Pistols . Ele gravou uma de suas Peel Sessions com o Pulp, treze anos antes de Jarvis Cocker alcançar a fama no Reino Unido.

Sua seleção eclética municiou os ouvintes com doses precisas de reggae, hip-hop, techno, drum ‘n’ bass, synthpop, death metal e punk, de 1967 a 2004.

Como cidadão naturalmente curioso, Peel um dia descobriu que a América do Sul podia ser mais que café, drogas e algumas mulatinhas bem ajeitadas. Ele então se aproveitou de suas férias e foi visitar Cuzco, no Peru, onde morreu. Ele estava acompanhado de sua esposa Sheila e sucumbiu após um ataque cardíaco fulminante. Dentre os artistas que lamentaram sua morte, Bernard Sumner foi o mais contundente: “Nem o Joy Division e nem o New Order existiriam se não fosse por John Peel”, cravou ele. Damon Albarn, do Blur: “A memória de John nunca será esquecida, porque ele tinha o espírito da música em si”.

Até mesmo o ex primeiro-ministro britânico Tony Blair se pronunciou, lamentando a morte de “um importante radialista que descobria raros talentos”. E claro que não podia faltar um pronunciamento de Feargal Sharkey, o frontman da banda que compôs a música mais marcante da vida do radialista. Em poucas e precisas palavras, o vocalista descreveu John como “o mais importante radialista que já conhecemos”. Sharkey afirma que tudo se tornou melhor em sua vida quando o dj reproduziu a canção em 1978, no Top Gear.

Dotado da humildade que às vezes aflora em gente realmente relevante, John não se vangloriava de nada. Segundo ele, as bandas é que faziam tudo. Ele apenas era o cara que tocava os discos.

Um comentário:

Paulo Augusto disse...

Sensacional.